Além do meio ambiente: se apaixonando novamente pela Mãe Terra Thich Nhat Hanh

O mestre Zen Thich Nhat Hanh explica por que a atenção plena e a revolução espiritual, em vez da economia, são necessárias para proteger a natureza e limitar as mudanças climáticas

Matéria traduzida por Marcos Bauch e Polliana Zocche do original em inglês de Jo Confino para The Guardian negócios sustentáveis disponível aqui →

O mestre Zen Thich Nhat Hanh pratica meditação e atenção plena há 70 anos e irradia um senso extraordinário de calma e paz. Este é um homem que, em um nível fundamental, faz o que fala e que os budistas veneram como um Bodhisattva; buscando o mais alto nível de realização para ajudar os outros.

Desde que se viu envolto pelos horrores da guerra do Vietnã, o monge de 86 anos comprometeu sua vida à reconciliação de conflitos e, em 1967, Martin Luther King o nomeou para o Prêmio Nobel da Paz, dizendo que “suas idéias para a paz, se aplicadas, construíram um monumento ao ecumenismo, à fraternidade mundial, à humanidade”.

Portanto, parece mais do que natural que, nos últimos anos, ele tenha voltado sua atenção para, não só abordar as relações desarmoniosas das pessoas, mas também com o planeta do qual todas as nossas vidas dependem.

Thay, como ele é conhecido por seus muitos milhares de seguidores, vê a falta de significado e conexão nas vidas das pessoas como sendo a causa de nosso vício em consumismo e que é vital reconhecer e responder ao estresse que estamos impondo à Terra, se for para a civilização sobreviver.

O que o budismo oferece, ele diz, é o reconhecimento de que todos nós sofremos e a maneira de superar essa dor é confrontá-la diretamente, ao invés de procurar escondê-la ou ignorá-la através da nossa obsessão por compras, entretenimento, trabalho ou o embelezamento de nossos corpos. O desejo de fama, riqueza, poder e sexo serve apenas para criar a ilusão de felicidade e acaba exacerbando sentimentos de desconexão e vazio.

Thay refere-se a um executivo-chefe bilionário de uma das maiores empresas americanas, que chegou a um dos seus cursos de meditação e falou de seu sofrimento, preocupações e dúvidas, ao pensar que todos estavam se aproveitando dele e que ele não tinha amigos.

Em uma entrevista em sua casa e centro de retiros em Plum Village, perto de Bordeaux, Thay descreve como uma revolução espiritual é necessária se formos enfrentarmos a multiplicidade de desafios ambientais.

Enquanto muitos especialistas aponta para a enorme complexidade e dificuldade em abordar questões que vão desde a destruição dos ecossistemas até a perda de milhões de espécies, Thay vê um nó intrincado que precisa ser cortado com um único ataque de uma lâmina afiada.

 

Ir além do conceito de “ambiente”

Ele acredita que precisamos ir além de falar sobre meio ambiente, pois isso leva as pessoas a experimentarem a si mesmos e a Terra como duas entidades separadas e a ver o planeta apenas em termos do que ele pode fazer por eles.

A mudança só é possível se houver um reconhecimento de que pessoas e o planeta são, em última instância, um e o mesmo.

“Você leva a Mãe Terra dentro de você”, diz Thay. “Ela não está fora de você. A Mãe Terra não é apenas o seu ambiente.”

“Nesse insight de inter-ser, é possível ter uma real comunicação com a Terra, que é a forma mais elevada de oração. Nesse tipo de relacionamento você tem suficiente amor, força e despertar para mudar sua vida.”

“Mudar não é apenas mudar as coisas fora de nós. Em primeiro lugar, precisamos da visão correta que transcende todas as noções, incluindo o ser e o não-ser, o criador e a criatura, a mente e o espírito. Esse tipo de insight é crucial para a transformação e a cura.”

“O medo, a separação, o ódio e a ira vêm da visão errada de que você e a Terra são duas entidades separadas, de que a Terra é apenas o meio ambiente. Você está no centro e quer fazer algo pela Terra apenas para que você possa sobreviver Essa é uma maneira dualista de ver.”

“Então, inspirar e estar atento ao seu corpo e olhar profundamente para ele e perceber que você é a Terra e que sua consciência também é a consciência da Terra. Não cortar árvores para não poluir a água, isso não é suficiente”.

 

Colocar um valor econômico na natureza não é suficiente

Thay, que nesta primavera estará no Reino Unido para liderar um retiro de cinco dias, bem como uma conferência de mindfulness na educação, diz que a atual ideia em voga, nos círculos econômicos e empresariais, de que a melhor maneira de proteger o planeta é colocar um valor econômico na natureza, é similar a colocar um curativo em uma ferida aberta.

“Eu não acho que vai funcionar”, diz ele. “Precisamos de um despertar real, da iluminação, para mudar nossa maneira de pensar e ver as coisas”.

Em vez de colocar um preço em nossas florestas e recifes de corais, Thay diz que a mudança acontecerá, em um nível primordial, somente se nos re-apaixonarmos pelo planeta: “A Terra não pode ser descrita pela noção de matéria ou de mente, que são apenas idéias, duas faces da mesma realidade. Aquele pinheiro não é apenas matéria, pois possui um senso de conhecimento. Uma partícula de poeira não é apenas matéria, pois cada um de seus átomos possui inteligência e é uma realidade viva.

“Quando reconhecemos as virtudes, o talento, a beleza da Mãe Terra, algo nasce em nós, algum tipo de conexão, nasce o amor.”

“Queremos estar conectados. Esse é o significado do amor, estar uno. Quando você ama alguém, você quer dizer ‘eu preciso de você’, ‘eu me refugio em você’. Você faz qualquer coisa para o benefício da Terra e da Terra fará qualquer coisa pelo seu bem-estar”.

No mundo dos negócios, Thay dá o exemplo de Yvon Chouinard, fundador e proprietário da empresa de equipamentos outdoor Patagonia, que combinou o desenvolvimento de um negócio bem sucedido com a prática de atenção plena e compaixão: “É possível ganhar dinheiro de uma forma não destrutiva, que promova mais justiça social e compreensão e que diminua o sofrimento que existe ao nosso redor “, diz Thay.

“Olhando profundamente, vemos que é possível trabalhar no mundo corporativo de uma maneira que traz muita felicidade tanto para outras pessoas quanto para nós… nosso trabalho tem significado”.

Thay, que escreveu mais de 100 livros, sugere que a conexão perdida com o ritmo natural da Terra está por trás de muitas doenças modernas e que, de forma semelhante ao nosso padrão psicológico de culpar nossa mãe e pai por nossa infelicidade, há uma dinâmica inconsciente, ainda mais escondida, de culpar a Mãe Terra.

Em um novo ensaio, Conversa íntima com a Mãe Terra, ele escreve: “Alguns de nós se sentem ressentidos contigo, por você ter darem origem a eles, fazer com que eles sofram, porque eles ainda não conseguem entender e apreciar você”.

 

Como o mindfulness pode reconectar as pessoas à Mãe Terra

Ele aponta as evidência, que não param de crescer, de que a atenção plena pode ajudar as pessoas a se reconectarem ao diminuir a velocidade e apreciar todos os presentes que a terra pode oferecer.

“Muitas pessoas sofrem profundamente e não sabem que sofrem”, diz ele. “Elas tentam encobrir o sofrimento ao estarem ocupadas. Muitas pessoas ficam doentes hoje em dia porque se alienam da Mãe Terra.”

“A prática da atenção plena nos ajuda a tocar a Terra Mãe dentro do corpo e esta prática pode ajudar a curar pessoas. Portanto, a cura das pessoas deveria ir junto com a cura da Terra e este é o insight e é possível de qualquer um práticar.”

“Este tipo de iluminação é crucial para um despertar coletivo. No budismo, falamos de meditação como um ato de despertar, estar consciente do fato de que a Terra está em perigo e as espécies vivas estão em perigo”.

Thay dá o exemplo de algo tão simples e comum como beber uma xícara de chá. Isso pode ajudar a transformar a vida de uma pessoa se ela realmente estivesse dedicando sua atenção à isso.

“Quando estou consciente, aprecio mais o meu chá”, diz Thay enquanto ele se serve de um copo e lentamente e bebe o primeiro gole. “Estou totalmente presente no aqui e agora, não estou sendo levado pela minha tristeza, meu medo, meus projetos, o passado e o futuro. Estou aqui disponível para a vida.”

“Quando eu bebo chá, este é um momento maravilhoso. Você não precisa de muito poder ou fama ou dinheiro para ser feliz. A atenção plena pode ajudá-lo a ser feliz aqui e agora. Cada momento pode ser um momento feliz. Seja um exemplo e ajude as pessoas a fazerem o mesmo. Use alguns minutos para experimentar ver a verdade”.

 

Precisamos lidar com nossa própria raiva para sermos ativistas sociais efetivos

Thay desenvolveu, durante muitos anos, a noção de budismo engajado apoiado por um conjunto de práticas éticas conhecidas como os cinco treinamentos de atenção plena, que são muito claros sobre a importância de enfrentar a injustiça social.

No entanto, para que os ativistas sociais e ambientais sejam efetivos, Thay diz que eles devem primeiro lidar com sua própria raiva. Somente se as pessoas descobrirem a compaixão por si mesmas, é que elas serão capazes de confrontar aqueles supostos responsáveis ​​por poluir nossos mares e cortar nossas florestas.

“No budismo, falamos em ação coletiva”, diz ele. “Às vezes, algo de errado está acontecendo no mundo e nós pensamos que são as outras pessoas que estão fazendo isso e nós não.”

“Mas a maneira como você vive sua vida pode ser parte do problema. Se você é capaz de entender que não só você sofre, mas a outra pessoa sofre também, isso já é um insight.

“Quando você vê a outra pessoa sofrer você não vai querer punir ou culpar, mas ajudar essa pessoa a sofrer menos. Se você está sobrecarregado de raiva, medo, ignorância e sofre demais, você não consegue ajudar outra pessoa. Se você sofre menos você se torna mais leve, mais sorridente, agradável de ter por perto e em condições de ajudar a pessoa.”

“Os ativistas têm que ter uma prática espiritual que os ajude a sofrer menos, a nutrir a felicidade e lidar com o sofrimento, para que eles sejam eficazes em ajudar o mundo. Com raiva e frustração você não consegue fazer muito”.

 

Tocando a “dimensão final”

Peça chave nos ensinamentos de Thay é a importância de entender que, enquanto precisamos viver e operar em um mundo dualista, também é vital entender que nossa paz e felicidade estão no reconhecimento da dimensão final: “Se pudermos tocar profundamente a dimensão histórica – através de uma folha, uma flor, um cascalho, um feixe de luz, uma montanha, um rio, um pássaro ou nosso próprio corpo – tocamos, ao mesmo tempo, a dimensão final. A dimensão final não pode ser descrita como pessoal ou impessoal, material ou espiritual, objeto ou sujeito da cognição – dizemos apenas que está sempre brilhando e brilhando sobre si mesma.”

“Tocando a dimensão final, nos sentimos felizes e confortáveis, como os pássaros que apreciam o céu azul, ou os cervos que apreciam os campos verdes. Nós sabemos que não precisamos procurar a felicidade fora de nós mesmos – está disponível dentro de nós, neste exato momento”.

Enquanto Thay acredita que exista uma maneira de criar uma relação mais harmoniosa entre a humanidade e o planeta, ele também reconhece que existe um risco muito real de continuarmos nosso caminho destrutivo e que a civilização possa entrar em colapso.

Ele diz que tudo o que precisamos fazer é ver como a natureza respondeu a outras espécies que ficaram fora de controle: “Quando a necessidade de sobreviver é substituída por ganância e orgulho, há violência, o que sempre traz uma devastação desnecessária.”

“Aprendemos a lição de que, quando perpetramos a violência contra nossa própria e outras espécies, somos violentos contra nós mesmos, e quando sabemos como proteger todos os seres, estamos nos protegendo”.

 

Permanecendo otimista apesar do risco de catástrofe iminente

Na mitologia grega, quando Pandora abriu a caixa, todos os males foram lançados no mundo. O único item restante era “esperança”.

Thay é claro ao dizer que manter o otimismo é essencial se quisermos encontrar uma maneira de evitar mudanças climáticas devastadoras e as enormes dificuldades resultantes.

No entanto, ele não é ingênuo e reconhece que forças poderosas estão constantemente nos empurrando para a borda do precipício.

Em seu bestseller sobre o meio ambiente, The World we Have (O mundo que temos, ainda não lançado no Brasil), ele escreve: “Construímos um sistema que não podemos controlar. Ele se impõe e nos tornamos seus escravos e vítimas.

“Criamos uma sociedade em que os ricos se tornam mais ricos e os pobres mais pobres e em que estamos tão envolvidos em nossos próprios problemas imediatos que não podemos nos dar ao luxo de tomar consciência do que está acontecendo com o resto da família humana ou com o nosso planeta Terra.

“Na minha mente, vejo um bando de galinhas em uma gaiola, disputando alguns grãos, sem suspeitar que em algumas horas todas serão mortas”.

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