Incentivo para a nossa aspiração bodhisattva Dzigar Kongtrul Rinpoche

Por Dzigar Kongtrul Rinpoche / Tradução Clara Luz

No final, a nossa vida não vai evaporar como uma poça de água no sol quente. Na verdade, mesmo uma poça de água não desaparece do nada. As moléculas permanecem em uma forma diferente, uma vez que os átomos não apenas se desintegram.

Se nós pensamos que a vida é dessa forma, então a nossa vida torna-se muito pequena. Acreditar que esta vida é só isso, é um ponto de vista muito estreito e chato. Mas compreender que esta vida é uma progressão contínua, faz ser apaixonante.

Um grande professor disse uma vez que ao atingir apenas um por cento de progresso em nossa vida, então em cem vidas nós seremos iluminados. Isso é factível e nós podemos realmente chegar lá em breve!

Mas o que acaba acontecendo é que quando nós temos um dia de folga de nossas responsabilidades, que por um lado é muito bom e agradável, nós tendemos a fazer algo muito insignificante, seja no jardim ou na cozinha. Ou, se não encontrarmos algo para fazer lá, nós procuramos alguém para discutir.

Quando nós realmente temos um propósito genuíno e uma visão significativa para guiar no nosso dia —não qualquer coisa, mas algo que realmente queremos fazer — podemos viver apaixonadamente, realizando nossa natureza iluminada em potencial e servindo a humanidade com grande alegria e zelo. Mesmo ao longo de cem vidas no trilhar deste caminho e renascendo, não há nenhum sentido em sofrer ao renascer e morrer. Em vez disso, há uma paixão por trilhar este caminho a cada vida.

Vamos falar sobre o senso de responsabilidade ou dever por um momento, e essa sensação de peso. Quando as pessoas estão preguiçosas, não querem viver de acordo com um senso de dever ou de responsabilidade. Sentindo-se sobrecarregados, só querem encontrar um lugar para dormir. Mas isso não ajuda a pessoa ou o bem-estar de qualquer outra pessoa. É um estado psicológico que todos nós temos em alguns períodos, quando pensamos ‘Ah, como seria bom apenas dormir em meu casulo e não sair. ’

Agindo com um senso de responsabilidade e dever quando não é algo imposto externamente, mas sim de sua própria vontade para ser responsável e cuidar do que está a sua frente, lhe dá uma sensação de grande alegria pelo privilégio de servir aos outros. Através do processo de expandir-se desta maneira, nos tornamos shenjanged que, em tibetano, significa completamente purificado e enriquecido.

Portanto, não ceda a essa tendência de se esconder e dormir em seu próprio casulo, especialmente se você se vê como um bodhisattva, e como meditador.

Alguns dizem que a meditação é passiva. Mas para mim, a meditação não é passiva de forma alguma. É um uso muito proativo da mente. Mesmo ao meditar sobre a sabedoria de reconhecer a natureza da mente, e colocar sua mente nesse estado, é extremamente proativo, porque você está completamente concentrado e empenhado no aspecto profundo da iluminada natureza universal. Como isso poderia ser passivo? Quando você tem a percepção de que samsara e nirvana são iguais, como pode tal estado ser passivo?

Para chegar a esse lugar de perceber a natureza da mente, é preciso deixar ir uma boa parte de sua ignorância. Esta é a ignorância que rotula aleatoriamente, produz todo o mal-entendido especialmente quando estamos envolvidos com mundo. Podemos estar envolvidos, mas estamos envolvidos de uma forma que é como se víssemos um pedaço de corda como uma cobra. Em outras palavras, estamos deludidos. O processo da meditação serve para desfazer essa noção equivocada de ver a corda como uma cobra, e traz profunda clareza para a mente.

Este processo de meditação não é como carregar uma mochila de pedras durante todo o dia. Isto é realmente um grande alivio! Normalmente, quando vemos o mundo, nós consideramos como intrínseco e sólido. É devido ao hábito que adquirimos de muitas vidas de confusão e ignorância. Devido à facilidade com que nossas emoções determinam o nosso ponto de vista, nos apegamos a coisas como reais, singulares e permanentes. Afinal, sem esse apego, e visualizando os fenômenos exteriores como tão reais e intrínsecos, não poderíamos ficar apegados, ou ficarmos irritados ou com ciúmes. Então, nós continuamos no samsara, acreditando dessa maneira que as coisas a nossa volta são reais, singulares e permanentes. Esse é o verdadeiro sentido de fardo que carregamos, e é o motivo pelo qual nós sofremos.

Através das instruções precisas de um professor, chegamos a penetrar no rótulo aleatório-ignorante de acreditar nas coisas como reais e intrínsecas. Então chegamos a um nível mais sutil da mente da ‘ignorância co-emergente’. Olhando de perto isso, vemos o que é. Nós não somos mais aquela pessoa na estrada que pensa que tem que ir devagar quando vê o que parece ser uma grande piscina de água na estrada. Nós podemos apenas continuar acelerando ao longo do caminho, sabendo que é apenas uma miragem.

Enquanto você se move em direção a ela, a piscina de água se dissipa bem na sua frente. Da mesma forma, com a experiência da meditação, sua mente cresce sendo capaz de observar a si mesma —a sua própria natureza— e não mais se prender em crenças e inseguranças. Nesse estado, a ignorância se dissipa e em seu lugar você encontra a natureza universal, brilhando e presente para você ver e experimentar.

Todas as suas reações, seu sofrimento, seu karma e toda a experiência de ser miserável, tem sido nada mais do que uma sequencia de histórias

Um homem é perseguido por um fantasma, até que ele não consegue mais correr e desiste.  Ele olha para o assustador fantasma e chora ‘Eu não posso mais correr, o que devo fazer’, o fantasma diz: ‘Como eu deveria saber, este é o seu sonho! ’.

Isso realmente se torna a sua própria experiência e não apenas algo que você ouve ou se diverte em um livro. Torna-se sua experiência de reconhecer samsara e nirvana sendo ambos sem fundamento e sem raízes.

A união da sabedoria e compaixão, juntamente com o objetivo supremo de salvar toda a humanidade do sofrimento do samsara, conduz à verdadeira alegria e a verdadeira felicidade. Isto não é um fardo, como carregar uma mochila de pedras por uma viagem de um dia inteiro.

Para uma pessoa com mentalidade realista, a mochila, as rochas, o dia, e a viagem, são muito reais. Mas não é o que pensamos que precisa acontecer que sobrecarrega a mente. Em vez disso, é a crença de que tudo é real! É aí que a sensação de peso na verdade surge.

Então, eu o encorajo a apreciar suas vidas, bem como os deveres e responsabilidades de servir aos outros. O encorajo a viver de acordo com esses deveres e responsabilidades com alegria. Desta forma, ser um bodhisattva no mundo é fácil. Este é o seu trampolim para ser um Bodhisattva, tanto nesta vida quanto na próxima.

Seja como senhor Manjushri ou Avalokiteshvara, ou Vajrapani—faça as mesmas coisas que eles fizeram!

Cuidado com a tendência em sua mente que está sempre querendo paz, paz, paz. ‘Eu só quero paz! ’ O que é essa paz de qualquer maneira? É sono, é o pensamento de apenas não querer fazer isso, apenas querer dormir e ser preguiçoso.

Não seja levado a se sentir emocionalmente e mentalmente exausto. Antes que isso aconteça, você tem que se encarregar da sua vida para fazê-la funcionar. Se você é um adolescente, eu posso entender essa tendência, mas não com alguém que quer ser um bodhisattva no mundo. Mesmo em um nível comum, não se pode realizar nada ao sempre ceder e alimentar esses hábitos.

Você precisa de entusiasmo! Sem entusiasmo você não terá nenhuma estrutura para se manter em pé e andar para frente. Portanto, antes de assumir o caminho e sonhar em se tornar um bodhisattva, você precisa de uma certa quantidade de entusiasmo e coragem para assumir o comando.

É também a forma como vamos lidar com as circunstâncias difíceis e como vamos lidar com o nascimento, velhice, doença e morte. Estamos todos ficando velhos, isso já está acontecendo. Se você pensa consigo mesmo: ‘Eu não sou bom. Eu sou um fracasso em tudo. Eu não posso fazer nada’, isso é chamado de ‘auto depreciação’. Isso não é o comportamento de um verdadeiro coração nobre com genuína humildade — uma verdadeira prática budista. Auto depreciação não é uma prática!

É uma perda de seu orgulho próprio. Talvez quando somos um homem ou mulher jovens nos habituamos a ter orgulho, mas, depois, perdemos. Este é shungpa em Tibetano, —é como propositadamente tentar se afundar em uma falta de confiança. Mas desistir da vida e de suas tarefas só vai trazer desastres.

Portanto, temos de reunir o nosso orgulho próprio para agirmos. Como observa Shantideva, usar o orgulho e arrogância em tais situações ajuda a superar as suas neuroses. Pode servir-lo muito para alcançar o que você deseja. Portanto, este é um ponto muito, muito importante para os praticantes.

Porque precisamos de paixão para sermos um Bodhisattva, temos de estar dispostos, e saber como essa disposição irá abrir uma centena de portas. Sem esta disposição, nem uma única porta se abrirá para nós no caminho ou na vida em geral. E ai?

Ficamos tentando proteger essa existência que não pode ser protegida. Esse tipo de existência vai acabar sem qualquer alegria ou vida, mas mesmo assim ainda tentamos protegê-la. Nós, então, nos tornamos como um molusco que se encontra bem fechado.

Nós não queremos nos transformar em um molusco. Queremos ser bodhisattvas, e para isso precisamos estar dispostos e corajosos!

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