Matando a Raiva antes que Ela nos Mate

Matando a Raiva antes que Ela nos Mate

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Na vida cotidiana não nos damos conta que convivemos com o pior dos ladrões.

Um ladrão comum pode roubar seu relógio, talvez não lhe roube todos os seus pertences; Se roubar todos seus pertences, talvez não roube sua vida;Se matar seu corpo, não poderá matar sua mente e suas vidas futuras; Um ladrão comum também não pode roubar nosso bom carma.

Entretanto, existe um ladrão que pode tudo, inclusive levar nossos bons méritos e oportunidades. Este ladrão é a raiva.

Buda Shakyamuni costumava comparar a raiva a um perigoso ladrão, a um incêndio devorador que destrói florestas de bons méritos e a um perigoso demônio. O abençoado disse que a raiva não deve ser cultivada pelos praticantes leigos, muito menos por monges, pois:

• A raiva é como um detestável ladrão por que rouba oportunidades. Com raiva a mente fica turva, as idéias confusas e as decisões desacertadas. Ninguém confia em pessoas que tentam resolver seus problemas com acessos de fúria. Quem assim procede cria má fama e perde excelentes oportunidades de realização, pois é prejudicado pela má reputação. Agir com raiva é plantar as raízes do descrédito, do erro e do arrependimento.

• A raiva é como um incêndio devorador, destruidor das florestas de bons méritos. Num acesso de fúria dizemos palavras ofensivas e agimos agressivamente, provocando desavenças ou tragédias. Com isso, podemos perder o emprego, destruir laços familiares, perder o convívio com bons amigos e a confiança dos demais. Algumas das pessoas atingidas pela nossa reação furiosa também queimarão de raiva e silenciosamente planejarão desforras ou vinganças e se não puderem nos atingir, poderão visar pessoas com as quais temos relação de afetividade.

• É como um perigoso demônio, por que num acesso de fúria, somos tomados por um momentâneo estado de demência e agimos como demônios enfurecidos. Seres humanos revoltados e furiosos, se não modificarem estas disposições, acabarão como habitantes do inferno. Quem cultiva a raiva, protege e sustenta seu pior inimigo!

Por que surge a raiva?

A raiva é a reação primitiva de descontentamento. Existem níveis de raiva. Vai das simples mágoas, ao ódio devastador. O fato de cultivarmos meros ressentimentos não significa estarmos imunes a raiva e suas nefastas conseqüências. Uma diminuta e insignificante brasa pode desatar um incêndio incontrolável.

“Uma cozinheira queria preparar um prato picante, mas receava não agradar a todos. Perguntou aos convidados se aceitariam uma refeição apimentada. Ouviu então diferentes respostas:- Eu adoro pimenta! – Eu detesto pimenta!
– Ah, para mim tanto faz!“

A cozinheira percebeu que para as pessoas, embora a pimenta fosse a mesma para todos, ela provocava diferentes reações nas pessoas. Os fatos da vida também são os mesmos para os seres, estamos sujeitos a desilusões, doença, velhice e morte, isso é natural, mas a reação a estes fatos inevitáveis difere de pessoa para pessoa. Os fatos são o que são, a raiva é opcional. Quando nos propomos a abandonar as causas do sofrimento, estamos declarando a raiva como o principal inimigo.

Quando a mente vê o mundo e as pessoas como posses haverá ai um grande problema. Quando as coisas não são do nosso jeito sentimos certa raiva, uma simples tristeza ou grande revolta, tudo isso são formas ou níveis de raiva.

Entenda que raiva é revolta. Outro dia alguém me disse que tristeza nada tinha haver com raiva. Isto é enganoso. Digamos que a tristeza é uma implosão venenosa, a ira é uma explosão de raiva, que embora seja dirigida aos outros, fere, acima de tudo, a nós mesmos.

Vida é movimento, perdas e ganhos são contingências inevitáveis. Se não podemos controlar o universo de que adianta cultivar raiva?
A raiva não faz o sol brilhar, mas faz o coração parar de bater;
Não cessa o frio, mas congela o coração;
Pessoas sábias e prudentes perdem a confiança em que tem é tomado de constantes acessos de fúria…

Mudanças são contingências da vida, para viver com saúde e longevidade é preciso cultivar o contentamento.

Buda recomenda não repousarmos enquanto a serpente venenosa dormita em nossos aposentos, para ele, a raiva é como uma serpente venenosa “aninhada” na mente não-iluminada. Flagrá-la saindo da toca é como ter a rara oportunidade de “pegar o bicho pelo rabo” . Superando a raiva e a ignorância, evitaremos que elas arruínem nossas vidas.

A IGNORÂNCIA DA RAIVA

Imagine-se andando com os braços carregados de compras do supermercado. Então, alguém grosseiramente colide, fazendo você e as compras caírem no chão. Assim que você se levanta da poça de ovos quebrados e massa de tomate, está pronto para gritar: “Imbecil! O que há de errado com você? Está cego?”.

Mas antes mesmo que possa tomar fôlego para falar, você vê que a pessoa realmente é cega. Ele, também, está esparramado na poça. Sua raiva some em um instante, para ser substituída por preocupação bondosa: “Você está machucado? Deixe eu te ajudar”.

Nossa situação é como essa. Quando claramente compreendemos que a fonte da desarmonia e dor no mundo é a ignorância, podemos abrir a porta da sabedoria e compaixão. Então, ficamos em uma posição adequada para curar a si mesmo e aos outros.

B. Alan Wallace, em “Tibetan Buddhism from the Ground Up”
Tricycle’s Daily Dharma, 30 de março de 2007.

[…] A raiva, definida como uma inundação da mente por sentimentos violentos e agressivos, que naturalmente leva à hostilidade e conflito, é SEMPRE condenável.

Mesmo a chamada raiva justa, tão frequentemente defendida quando tem a injustiça e o abuso como alvo, é totalmente condenável se isso envolve a perda do controle em uma onda de paixão incontrolável e destrutiva.

Com exceção de uma indignação puramente externa e artificial, com propósito educacional — que tem a compaixão como motivação e é representada por alguém com a mente sob controle — a raiva não tem absolutamente nenhum lugar no esquema do desenvolvimento espiritual.

Ela é totalmente maléfica ao treinamento da mente e irá arruinar e aniquilar em um instante todo progresso e mérito acumulado.

Grupo de tradução Padmakara
na introdução do livro “The Way of the Bodhisattva”
de Shantideva (Índia, séc. VII)

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