O motorista poderia ser sua mãe

Publicado originalmente em Lions Roar, por Arunlikhati. / Tradução Clara Luz.

Compaixão e renascimento são dois tradicionais princípios budistas que vieram até mim recentemente, enquanto eu estava sentada refletindo sobre como eu quase levei minha mãe para fora da estrada dirigindo. Esse incidente ocorreu há muito tempo. Irritada por um motorista lento na minha frente, eu encostei o veículo tão perto que eu não podia ver a placa do carro. Eu persisti até o carro sair da estrada por um caminho lateral. Mas essa estrada lateral era o caminho que eu pretendia percorrer para visitar meus pais – e o motorista a minha frente era minha mãe.

A vergonha que tomou conta de mim naquele momento era tão grande que, até hoje, sempre que me encontro atrás de um motorista particularmente lento, eu acho, que poderia ser minha mãe. Este simples pensamento ocasiona imagens de minha mãe, nervosa e encolhida, por causa dos outros motoristas que a intimidam na estrada. Minha mãe pode não ser a melhor motorista, mas ela não merece ser perturbada.

Poderia ser minha mãe é o meu mantra ao dirigir. Com esta simples frase, posso transferir o amor, respeito e cuidado que tenho por minha mãe para o motorista em minha frente. A impaciência se derrete em aceitação. Agressão se dissipa em compaixão. Assim como eu nunca desejaria estresse e desconforto para a minha mãe, eu dirijo mais gentilmente atrás de você.

Esta prática de transferir o alvo da nossa compaixão de um indivíduo para outro está enraizada no conceito de renascimento. Nas palavras do Dalai Lama “A tradição budista nos ensina a ver todos os seres sencientes como nossas queridas mães e mostrar a nossa gratidão amando todos eles. Pois, de acordo com a teoria budista, nascemos e renascemos incontáveis vezes, e é concebível que cada ser possa ter sido o nosso pai em algum momento.” Essa noção não é reservada para as mães, pessoas próximas ou não, e se estende a todos os nossos professores passados, queridos amigos e entes queridos.

Refletindo sobre os paralelos entre essa prática budista antiga e meu simples mantra de condução, me levou a uma mudança fundamental na minha perspectiva sobre o renascimento. Enquanto muitas discussões sobre o renascimento giram em torno da questão de saber se o renascimento é ou não real, elas frequentemente negligenciam os benefícios práticos da teoria, independentemente da questão da realidade. A questão em si fica em uma estrutura que tende para a conclusão de que a crença no renascimento não tem propósito. Mas se você deseja compartilhar a compaixão que você tem pelos seus entes queridos para um estranho, sem dúvida, ajuda se você acreditar que a pessoa ‘estranha’ também poderia ser um ente querido —como o meu mantra que é mais eficaz se eu realmente acredito que o condutor a minha frente poderia realmente ser a minha própria mãe.

Meu ponto aqui não é argumentar se o conceito de renascimento é certo ou errado, mas sim considerar esta noção em termos de ‘hábil ou inábil’. Você ainda pode contestar a crença de que você poderia ter sido minha mãe em uma vida anterior. Mesmo assim, você pode ter certeza que eu nunca vou encostar o carro em você.

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