Quanto maior a força de nossa bondade amorosa em relação aos outros seres, maior a força de nossa compaixão.

A questão então é: “Como cultivamos e desenvolvemos essa bodhicitta*, a mente da iluminação?”. A chave e a raiz são a grande compaixão. Compaixão aqui se refere a um estado mental que torna completamente insuportável para nós ver o sofrimento de outros seres sencientes.

A maneira de desenvolver isso se dá através da compreensão sobre como nos sentimos com nosso próprio sofrimento. Quando nos tornamos conscientes de nosso próprio sofrimento, temos um desejo espontâneo de nos ver livres dele. Se formos capazes de estender esse sentimento a todos os outros seres — através da compreensão do desejo instintivo comum que todos temos de evitar e superar o sofrimento — então esse estado mental é chamado de “grande compaixão”.

Todos nós temos o potencial de desenvolver esse tipo de compaixão, porque sempre que vemos pessoas sofrendo, especialmente aquelas próximas a nós, imediatamente sentimos empatia por elas, e testemunhamos uma reação espontânea dentro de nossas mentes. Então tudo que temos a fazer é trazer esse potencial para fora, e depois desenvolvê-lo ao ponto em que se torne tão imparcial que possa incluir todos os seres sencientes em seu abraço, tanto faz se são amigos ou inimigos.

Para cultivar essa grande compaixão dentro de nós mesmos, primeiro precisamos desenvolver o que é chamado de bondade amorosa, um sentimento de ligação ou proximidade com todas as criaturas. Essa proximidade e intimidade não deve ser confundida com o tipo de sentimento que normalmente temos em relação às nossas pessoas amadas, que é manchado por apego […], ego e egoísmo. Ao contrário disso, estamos procurando desenvolver um sentimento de proximidade e afeição em relação a outros seres sencientes, ao refletirmos sobre o fato de que o sofrimento é inerente em sua própria natureza, sobre a impotência da situação deles, e sobre o desejo instintivo que todos eles têm de superar o sofrimento.

Quanto maior a força de nossa bondade amorosa em relação aos outros seres, maior a força de nossa compaixão. E quanto maior a força de nossa compaixão, mais fácil será para nós desenvolver um senso de responsabilidade e tomarmos para nós a tarefa de trabalhar pelos outros. Quanto maior esse senso de responsabilidade, mais sucesso teremos em desenvolver bodhicitta, a aspiração altruísta genuína para alcançar a iluminação para o benefício de todos.

Dalai Lama no livro ”Dzogchen – A essência do coração da Grande Perfeição”.

*Bodhicitta pode ser definida como um estado expandido da mente obtido como resultado do treinamento dem dois tipos de aspiração. Um é a aspiração altruística de beneficiar todos os seres sencientes, uma atitude de profunda compaixão. O outro é uma convicção oriunda de se refletir sobre o sofrimetno de todos os seres sencientes e entender que, enquanto não atingirmos a mais elevada iluminação, estaremos debilitados e limitados em nossa capacidade de consumar nossa aspiração de beneficiar os outros. O estado mental induzido por essas duas aspirações é chamado bodhicitta, ou mente da iluminação. 

 

”Quanto maior a força de nossa bondade amorosa em relação aos outros seres, maior a força de nossa compaixão. E quanto maior a força de nossa compaixão, mais fácil será para nós desenvolver um senso de responsabilidade e tomarmos para nós a tarefa de trabalhar pelos outros.”.

”A compaixão não é uma teoria. É uma experiência. Não é algo que possa ser adquirido nem é criada por qualquer processo bioquímico. A compaixão brota de forma imediata no momento em que nos deparamos diretamente com o sofrimento e percebemos a sina dos seres que, quase sempre, reagem de uma forma que apenas intensificará a sua trágica condição. Uma qualidade natural, um aspecto de nossa verdadeira natureza, a compaixão está adormecida em nós e precisa ser despertada. Esse despertar é doloroso, pois nos obriga a contemplar a fundo o sofrimento de incontáveis seres. Sem entender o seu infortúnio, não podemos sentir compaixão. Mas, uma vez que tenhamos realmente compreendido o sofrimento, a compaixão começa a brotar sem que possamos impedi-la de fluir. Por enquanto, a nossa compaixão é tendenciosa e restrita. Pensamos que algumas pessoas a merecem, outras não. A compaixão que sentimos pela família e pelos amigos, por exemplo, baseia-se em nosso apego por eles. Mas todos, por mais desorientados que estejam, merecem a nossa compaixão, e temos de expandi-la até que ultrapasse os limites do apego para abarcar a todos os seres, o tempo todo.” Chagdud Tulku Rinpoche no livro “Para abrir o coração“ 

”[…] Todos temos um sentimento de proximidade com nós mesmos. Mesmo nos casos de aparente ódio a si próprio, algum tipo de cuidado consigo mesmo repousa profundamente dentro de nós. É a partir do cuidado consigo mesmo que alguém pode gradualmente estender uma atitude parecida aos outros. Mesmo animais têm altruísmo, especialmente aqueles cujos filhotes dependem deles por um período. Naturalmente haveria uma ligação especial de amor. Então esse amor, essa sentimento natural de apreciação, vem de uma necessidade biológica, porque a estrutura, a formação do corpo, é tal que você é obrigado a depender do amor. Para sobreviver, temos que cuidar uns dos outros. Já temos a semente do amor ou compaixão ou afeição pelos outros porque temos afeição por nós mesmos. Essa é a semente. Surge a questão: como desenvolver altruísmo infinito? Parece ser possível desenvolver altruísmo infinito através da sabedoria e inteligência. Normalmente, quando alguém fala da necessidade de cultivar amor e compaixão pelos outros, parece que isso trará benefício e ajuda aos outros, mas que não ajuda a própria pessoa, ou que é irrelevante para ela. Esse é um ponto de vista enganado porque quando você desenvolve amor e compaixão pelos outros, você pode mentalmente desenvolver profunda satisfação e coragem. Como resultado, você, o praticante, se beneficia. Você terá menos medo, mais força de vontade, maior auto-confiança. Automaticamente, a pessoa fica mentalmente mais calma.” Dalai Lama “Many Ways to Nirvana”

”O Dalai Lama sempre gosta de dizer — ele diz que quando você deixa nascer em sua mente a idéia de compaixão, é porque você percebe que você mesmo e suas dores e prazeres são um teatro muito pequeno para sua inteligência. É realmente muito monótono se sentir assim ou assado, ou como seja, você sabe – e quanto mais você foca em como você se sente, diga-se de passagem, pior fica. Então você decide, bem, estou cansado de mim mesmo. Vou pensar em como outras pessoas podem estar felizes.” ~Bob Thurman


Publicamos em 2013 e repostamos ano passado um trecho do livro do Yongey Mingyur Rinpoche, “A Alegria de Viver”, chamado ”O despertar da Compaixão”, que vale ser lido na integra. Leia um trecho do mesmo livro abaixo, e se quiser, prossiga com a leitura do post ”O despertar da Compaixão” do mesmo autor:

O melhor de tudo é que não importa quanto tempo você vai meditar, ou o método que vai utilizar, toda técnica de meditação budista acaba gerando compaixão, independentemente de estarmos conscientes ou não dela. Sempre que observar sua mente, você não tem como deixar de reconhecer a semelhança com as pessoas que o cercam.

Quando vê seu próprio desejo de ser feliz, você não tem como evitar ver o mesmo desejo nos outros e, quando observa claramente o próprio medo, raiva ou aversão, você não tem como evitar ver que todos a seu redor sentem o mesmo medo, raiva ou aversão.

Quando observa a própria mente, todas as diferenças imaginárias entre você e os outros automaticamente se dissolvem e a antiga prece dos Quatro Imensuráveis se torna tão natural e persistente quanto as próprias batidas de seu coração:

Que todos os seres sencientes tenham felicidade e as causas da felicidade.

Que todos os seres sencientes se vejam livres do sofrimento e das causas do sofrimento.

Que todos os seres sencientes tenham alegria e as causas da alegria.

Que todos os seres sencientes permaneçam em grande serenidade, livres do apego e da aversão.

Continue aqui. 

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