“Faça de Sua Mente um Oceano”. Parte 3: Tudo vem da mente Lama Thubten Yeshe

 

O Budismo pode ser entendido em vários níveis. Pessoas que aderem ao caminho budista, o fazem gradualmente. Assim como você passa lentamente pela a escola ou universidade, se formando de um ano para o outro, assim os praticantes budistas avançam passo a passo ao longo do caminho para a iluminação. No Budismo, no entanto, estamos falando de diferentes níveis de mente; aqui, mais alto e mais baixo referem-se ao progresso espiritual.

No Ocidente, há uma tendência de considerar o Budismo como uma religião no sentido ocidental da palavra. Este é um equívoco. O Budismo é completamente aberto; podemos falar sobre qualquer assunto. O Budismo tem sua doutrina e filosofia, mas também incentiva a experimentação científica, tanto interior e exterior. Não pense que o Budismo é como uma espécie de sistema de crença estreita, de mente fechada. Não é. A doutrina budista não é uma invenção histórica derivada através da imaginação e da especulação mental, mas uma explicação psicológica exata da verdadeira natureza da mente.

Quando você olha para o mundo lá fora você tem uma impressão muito forte de uma realidade fixa, substancial. Você provavelmente não percebe que esta forte impressão é meramente uma interpretação da sua própria mente. Você acha que a realidade forte, sólida realmente existe ”lá fora”, e talvez, ao olhar para dentro de si, você se sente vazio. Este também é um equívoco: esta forte sensação de que o mundo parece verdadeiramente existir ”do lado de fora”, é nada mais do que uma projeção da sua própria mente. Tudo o que você experimenta – sentimentos, sensações, formas e cores, vem de sua mente.

Se você levanta uma manhã com a mente confusa e o mundo ao seu redor parece escuro e nebuloso, ou você acorda com uma mente clara e seu mundo parece bonito e leve, entenda que essas diferentes sensações estão vindo de sua própria mente, ao invés de partir de mudanças no ambiente externo. Ao invés de interpretar erroneamente o que vivenciamos na vida através de concepções erradas, perceba que não é a realidade exterior, mas sim a mente, apenas a mente.

Por exemplo, quando todos neste auditório olham para um único objeto – Eu, Lama Yeshe – cada um tem uma experiência bem diferente, embora, simultaneamente, todos estejam olhando para uma coisa só. Estas experiências diferentes não vêm de mim; elas vêm de suas próprias mentes. Talvez você esteja pensando: “Oh, como ele pode dizer isso? Todos nós vemos a mesma cara, o mesmo corpo, a mesma roupa “, mas isto é apenas uma interpretação superficial. Examine mais a fundo. Você verá que a sua percepção, a maneira como você se sente, é algo individual, e que neste nível, todos somos diferentes. Estas percepções diferentes não vêm de mim, e sim de suas próprias mentes. Esse é o ponto que estou tentando chegar.

Então o pensamento pode surgir: “Ah, ele é apenas um lama; tudo o que ele conhece é a mente. Ele não sabe sobre poderosos avanços científicos, como satélites e outras tecnologias sofisticadas. Não há como você me dizer que essas coisas não vêm da mente ” Mas verifique. Quando eu digo “satélite”, você tem uma imagem do objeto que lhe foi dito que é um satélite. Quando o primeiro satélite foi feito, seu inventor disse: “Eu fiz essa coisa que orbita a Terra; ele será chamado de ‘satélite’.” Então, quando todo mundo viu, eles pensaram: “Ah, isso é um satélite.” Mas “satélite” é apenas um nome, não é?

Antes que o inventor do satélite realmente fizesse isso, ele especulou e visualizou em sua mente. Com base nesta imagem, ele materializou a sua criação. Então ele disse a todos: “Este é um satélite.” Então, todo mundo pensou: “Uau, um satélite; como é bonito, como é maravilhoso.” Isso mostra o quão ridículo somos. As pessoas dão nomes as coisas e nos apegamos ao nome, acreditando ser a coisa real. É a mesma coisa, não importa quais são as cores ou formas as quais nos apegamos. Confira você próprio o que estou falando.

Se você conseguir entender o que estou explicando aqui, você vai ver que, de fato, os satélites e assim por diante vêm da mente humana, e que, sem a mente humana, não há nenhuma existência material no mundo. O que existe, sem a mente? Olhe para todas as coisas que você encontra em supermercados: tantos nomes, tantos alimentos, tantas coisas diferentes. Primeiro as pessoas inventam tudo – este nome, esse nome, isso, isso, isso, aquilo – e então, isso, aquilo outro, isso, e tudo está diante de ti. Se todos estes milhares de itens de supermercados, bem como jatos, foguetes e satélites são manifestações de uma mente humana, então o que não vem da mente?

Se você analisar bem como sua mente se expressa, seus vários pontos de vista e sentimentos, sua imaginação, você vai ver que todas as suas emoções, a forma como você vive sua vida, a maneira que você se relaciona com os outros, tudo vêm de sua própria mente. Se você não entender como sua mente funciona, você vai continuar tendo experiências negativas como a raiva e a depressão. Por que eu chamo de uma mente deprimida, negativa? Porque uma mente deprimida não entende como ela funciona. Uma mente sem entendimento é negativa. A mente negativa te derruba, porque todas as suas reações estão poluídas. Uma mente com entendimento funciona claramente. Uma mente desimpedida é uma mente positiva.

Qualquer problema emocional que esteja enfrentando surge devido à maneira como funciona a sua mente; o seu problema principal está na maneira como você identifica a si mesmo. Você normalmente se vê com baixa estima, como um ser humano de má qualidade, enquanto o que você realmente quer é que sua vida seja da mais alta qualidade possível; que seja perfeita? Você não quer ser um ser humano de má qualidade, não é? Para corrigir o seu ponto de vista e se tornar uma pessoa melhor, você não precisa espremer-se ou saltar de sua própria cultura para outra. Tudo que você precisa fazer é entender a sua verdadeira natureza, a forma como você é. Isso é tudo. É tão simples.

O que eu estou falando aqui não é da cultura Tibetana, ou alguma viagem oriental. Eu estou falando sobre a sua viagem. Na verdade, não importa de qual viagem estou falando; estamos todos basicamente na mesma. Como somos diferentes? Todos nós temos uma mente; todos nós percebemos as coisas através de nossos sentidos; somos todos iguais em querer desfrutar do mundo; e igualmente todos nós nos apegamos ao mundo, não sabendo a realidade de nosso mundo interior, nem do mundo externo. Não há nenhuma diferença, se você tem cabelo longo ou curto, se você é preto, branco ou vermelho, não importa que roupa você veste. Nós somos todos iguais. Por quê? Porque a mente humana é como um oceano e há muitas semelhanças na forma qual temos evoluído na Terra.

Observações superficiais do mundo podem nos levar a acreditar que os problemas das pessoas são diferentes, mas se você analisar mais profundamente, você vai ver que, essencialmente, são os mesmos. O que faz com que os problemas das pessoas aparentem ser únicos são as interpretações através de suas experiências.

Este tipo de analise da realidade não é, necessariamente, um exercício espiritual. Você não tem que acreditar ou negar que você tem uma mente – você tem que somente observar como ela funciona e como você reage as coisas, e não ficar obcecado com o mundo ao seu redor.

Buda nunca colocou muita ênfase na crença. Pelo contrário, ele nos exorta a investigar e tentar compreender a realidade do nosso próprio ser. Ele ressalta que não temos necessidade saber o que ele era, o que é um Buda. Tudo o que ele queria era que nós entendêssemos nossa própria natureza. Não é tão simples assim? Você não tem que acreditar em nada. Simplesmente por fazer o esforço certo, você entende as coisas através de sua própria experiência, e gradualmente desenvolve suas percepções.

Mas talvez você tenha alguma pergunta: o que acontece com as montanhas, árvores e oceanos? Como eles podem vir da mente? Eu vou te perguntar: qual é a natureza de uma montanha? Qual é a natureza de um oceano? Será que estas coisas existem da forma que você os vê? Quando você olha para as montanhas e oceanos, eles aparentam, ao seu olhar superficial como montanhas e oceanos. Mas sua natureza é realmente outra. Se uma centena de pessoas olhar para uma montanha, ao mesmo tempo, todos veem diferentes aspectos, cores diferentes, características diferentes. Mas, quem está correto? Se você conseguir responder isso, você consegue responder a sua própria pergunta.

Concluindo, eu estou dizendo que a sua visão superficial, cotidiana do mundo não reflete a sua verdadeira realidade. A maneira como você interpreta Melbourne, sua concepção de como Melbourne existe, não tem nada a ver com a realidade de Melbourne – mesmo que você tenha nascido em Melbourne e passado todos o seus altos e baixos da vida em Melbourne. Verifique.

Ao dizer tudo isso, eu não estou fazendo uma declaração definitiva, mas sim oferecendo-lhe uma sugestão de como olhar para as coisas de um modo novo. Eu não estou tentando empurrar minhas próprias ideias para você. Tudo o que eu estou fazendo é recomendar que você pegue a sua velha forma de pensar, que simplesmente aceita o que vê pelo valor nominal, e analise com uma mente diferente, uma mente fresca.

A maioria das decisões que a sua mente vem fazendo desde o momento em que você nasceu – “Isto é correto; isso é errado; esta não é a realidade”, foram equivocadas. Uma mente possuída por equívocos é uma mente incerta, nunca tem certeza de nada. Uma pequena mudança no ambiente externo e ela surta; até as pequenas coisas enlouquecem. Se você pudesse ver o quadro inteiro, você veria o quão tolo isso é. Mas nós não vemos a totalidade do quadro; a totalidade é grande demais para nós.

A mente sábia – ou consciência universal – não se incomoda com pequenas coisas. Vendo as coisas em sua totalidade, não há como prestar atenção em pequenos detalhes. A energia proveniente daqui chocando-se com alguma outra energia de lá nunca incomoda o sábio porque ele espera que coisas assim aconteçam; está em sua natureza. Se você tem uma ideia equivocada de que a sua vida será perfeita, você vai sempre se chocar com a sua natureza de altos e baixos. Se você espera que sua vida seja cheia de altos e baixos, sua mente estará muito mais tranquila. O que no mundo externo é perfeito? Nada. Então, já que a energia de sua mente e corpo está intimamente ligada com o mundo externo, como você pode esperar perfeição de sua vida? Você não pode.

Muito obrigado. Espero que vocês tenham entendido o que eu estou dizendo e que eu não tenha criado conceitos errados. Temos que terminar agora. Obrigado.

 Em caso de observações sobre a tradução, favor enviar um e-mail para budavirtual@gmail.com

Lama teaching at UCSC, 1978

Lama Yeshe nasceu no Tibete e teve formação na distinta Sera Monastic University (Universidade do Mosteiro Sera), em Lhasa. Em 1969, juntamente com o seu discípulo, o Lama Thubten Zopa Rinpoche, começou a ensinar o Budismo aos Ocidentais no seu Mosteiro Kopan, em Katmandu, no Nepal. Em 1974, começaram a viajar por todo o mundo para espalhar o Dharma. Em 1975, criaram a Fundação para a Preservação da Tradição Mahayana: uma rede de projetos budistas que inclui mosteiros em seis países e centros de meditação em mais de trinta.

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