Dalai Lama: “Centros budistas deveriam ser salas de aula acadêmicas.”

Via Lions Roar, Tibet PostOs Arquivos de Berzin

No início deste mês, o Dalai Lama sugeriu aos centros budistas que sediassem atividades acadêmicas e diálogos inter-religiosos. De acordo com o Tibet Post, o líder espiritual tibetano fez o apelo a um grupo de cerca de 300 pessoas que se reuniram em Deer Park Buddhist Center em Wisconsin em 06 de março de 2016 para ouvi-lo falar.

“Hoje, embora os Estados Unidos não sejam tradicionalmente um país budista, mais e mais pessoas estão mostrando interesse na filosofia budista e na ciência da mente, pequenos centros têm surgido aqui e ali. No entanto, seria melhor se estes não fossem apenas templos para adoração, mas sim centros de aprendizagem.”

Sua Santidade pontuou que nos últimos 30 anos, ele se envolveu em conversas com cientistas modernos, lhe permitindo analisar e investigar os ensinamentos do Buda. Ele espera que ao tratar centros budistas como salas de aula, isso possa trazer esse mesmo tipo de aprendizagem aos praticantes leigos:

“Aqui, devido à determinação do falecido Geshe-la, temos um centro muito bem estabelecido. Você pode fazer prática aqui, você pode realizar rituais também, mas o importante é pensar no centro como como uma sala de aula. Já que temos aqui pessoas que são bem qualificadas para explicar os ensinamentos, deveriam ter aulas sobre a ciência da mente que possa alcançar a todos.” 

Sua Santidade ressaltou que os textos tradicionais que lidam com a ciência da mente são baseadas no Pramanavarttika [Um Comentário sobre (“Compêndio de Mentes de Cognição Válida”) e no Abhidharmakosha (Tesouro de Temas Especiais Relativos ao Conhecimento) e a partir do ponto de vista das escolas de pensamento Sautrantika e Cittamatra.

No entanto, disse ele, há também um texto de Gen Lobsang Gyatso, o diretor fundador do Instituto de Dialética budistas, que foi assassinado por pessoas Shugden, chamada de ‘Estudo Superior da Ciência da Mente “(Lo-rig Gong-ma). Na composição, ele baseou-se em obras de Nagarjuna e Tsongkhapa para apresentar uma ciência da mente do ponto de vista mais sutil da escola Prasangika Madhyamika. Em última análise, isso deriva do antigo conhecimento indiano da mente.

“Conforme o interesse em compreender o funcionamento da mente e das emoções cresce em países estrangeiros”, disse Sua Santidade, “Crescerá também a necessidade de debater com cientistas que não aceitam haver qualquer função mental aparte do cérebro. Portanto, centros como este devem ser centros de aprendizagem.”

Sua Santidade o Dalai Lama e os participantes discutem neuroplasticidade na conferência do Mind and Life Institute em Dharamsala, 2004.
O Dalai Lama e os participantes discutem neuroplasticidade na conferência do Mind and Life Institute em Dharamsala, 2004.

O Dalai Lama já havia abordado estas questões anteriormente em uma conferência sobre Budismo Tibetano na Europa em 2013:

“Nossos vários centros devem começar turmas para ensinar sobre a mente, emoções e assim por diante, mas sem mencionar nirvana ou moksha (liberação). É claro que nós mesmos acreditamos muito em moksha, mas é muito difícil de atingir! Costumamos dizer moksha, moksha (liberação, liberação) e semchem tamche, semchen tamche (possam todos os seres… [ser felizes], possam todos os seres [ser livres do sofrimento]), mas na realidade, nossas ações não estão nesse nível. Portanto, para outras pessoas, sem falar em nirvana ou na próxima vida, eu acredito que aprender sobre a ciência e filosofia do budismo pode ser muito útil a fim de simplesmente ser uma pessoa mais feliz. Como eu mencionei antes, a fonte definitiva da felicidade é nossa mente, e a verdadeira problemática são nossas emoções.

A fim de combater nossa problemática, essas emoções destrutivas, precisamos saber sobre todo o sistema de emoções. Esses dias eu tenho falado sobre “higiene emocional”, assim como sobre “higiene física”. Como elemento de nossa educação, geralmente recebemos algumas lições sobre como cuidar do corpo, e assim, similarmente, nós precisamos receber algum tipo de aula sobre como tomar conta de nossas emoções, como uma matéria acadêmica, relacionada à saúde, não associada a nenhuma tradição. É claro que nós, budistas, temos um imenso conhecimento dessas emoções e estados mentais, de como transformar nossas emoções para o nirvana, mas no campo laico, é necessário apenas saber como lidar com emoções destrutivas, como raiva, ódio, medo e assim por diante.

Assim nossos centros, ao invés de apenas oferecer algumas pujas ou orações ou cantos enquanto algumas pessoas dormem no canto [risos], o que é, obviamente, bom para os que acreditam no budismo, devem também incluir lições sobre as emoções, sobre a mente, e sobre lorig, ou o estudo da mente. Também, o Abhidharmakosha (Tesouro de Temas Especiais Relativos ao Conhecimento) e Abidharma-samuccaya (Temas especiais de conhecimento) incluem um tanto de informações sobre emoção. Mas apenas isso eu acho que não é suficiente. Uma explicação mais detalhada e profunda das funções mentais pode ser encontrada no Pramanavarttika [Um Comentário sobre (“Compêndio de Mentes de Cognição Válida” de Dignaga)]. Em todos os capítulos, mas especialmente no terceiro capítulo, Dharmakirti explica a percepção, e como nossa percepção trabalha com relação a objetos. Eu penso sobre eles como matéria puramente acadêmica.

Eventualmente, eu acho que nossos centros podem se tornar centros de aprendizagem, centros educacionais, e não centros religiosos. Ocasionalmente, para aqueles budistas que querem isso, pode haver pujas e meditações e coisas assim. Mas, em geral, começar puramente no nível acadêmico, com informações sobre a ciência budista e a mente, é muito benéfico. O público pode ser dividido em duas categorias – uma budista e a outra não budista (mas que pode incluir ainda os budistas) – e ser ensinado simplesmente o conhecimento da mente, sobre as emoções, ou o que eu chamo de mapa das emoções, ou mapa da mente.

De modo a lidar com essas emoções destrutivas, primeiramente devemos ter a noção completa do vasto campo de informações concernentes às emoções e mente. Eu acho que, hoje em dia, os cientistas modernos não são muito bem educados nesses assuntos, e a ciência da mente ainda não se desenvolveu o suficiente. Acredito que as antigas tradições indianas podem ser muito úteis aqui.

A nós, budistas, eu geralmente digo que precisamos ser budistas do século XXI. Isso significa que nossas orações e meditações devem ser praticadas com um conhecimento integral de todo o sistema budista. É muito importante estudar e praticar meditação, mas o material verdadeiro para a meditação é o conhecimento, que é absolutamente essencial.”

No evento de Wisconsin, Sua Santidade também sugeriu que centros budistas iniciem diálogos inter-religiosos, pois muitas virtudes do budismo podem ser encontradas entre o cristianismo, o judaísmo, o hinduísmo e o islamismo.

“Todas as grandes tradições religiosas, sejam elas teístas ou não-teístas, transmitem a uma mesma mensagem de amor.”, disse Sua Santidade. “Se quisermos criar uma humanidade mais feliz e levar uma vida mais significativa, temos que aprender a demonstrar ao outro maior amor e carinho.”

Recentemente, na conferência “The World We Make – Well Being in 2030” (também realizada em Wisconsin), o Dalai Lama falou sobre como existe uma lacuna enorme entre a nossa percepção e a realidade como ela é e que a educação precisa fazer essa aproximação – entre a nossa percepção e a realidade. Confira a fala dele aqui.

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