Lama Padma Samten viaja pelo Brasil para dar ensinamentos budistas

Lama Padma Samten viaja pelo Brasil para disseminar ensinamentos budistas, entrevista para o Jornal Notícias do Dia.

Ele deixou para trás mais de duas décadas de atuação como professor universitário de física em Porto Alegre para dedicar sua vida integralmente ao Budismo, caminho encontrado em 1982 após perceber sua conexão com a ciência. Desde 1996, Alfredo Alveline é o Lama Padma Samten, fundador do CEBB (Centro de Estudos Budistas Bodisatva), que atualmente conta com sedes em 40 cidades brasileiras. Desde então, sua missão tem sido viajar o país para disseminar seus ensinamentos e principalmente ajudar as pessoas, tenham elas conexão ou não com o Budismo.

De passagem por Florianópolis após mais um evento na sede local do CEBB, ele falou sobre como as diferentes abordagens do budismo podem beneficiar pessoas com as mais distintas características, estejam elas em crise ou em plena paz interior.

 

CEBB Viamão
Retiro com o Professor Alan Wallace no CEBB em 2014.
Retiro com o Professor Alan Wallace no CEBB em 2014.

O Budismo considera que as crises pelas quais as pessoas passam podem ser benéficas, mas por que exatamente?

O budismo trabalha em uma perspectiva de reduzir as crises, não de aumentar. Eu acho preferível utilizar uma condição favorável para desenvolver a lucidez do que as condições aflitivas, porque elas podem demandar alterações em nossa própria vida, deslocar nosso foco. Agora, o ponto central do budismo é a questão da lucidez e nós podemos utilizar qualquer circunstância para avançar nela. Um dos obstáculos para esse avanço é a normose, quando a pessoa tem uma vida regular e se estabiliza dentro dela, o que é muito danoso. Por vezes chego até a pensar que as pessoas que têm depressão ou crises psicológicas têm alguma vantagem, porque quando elas estão em crise, elas querem se livrar da crise, estão dispostas a mudar, há um esforço, enquanto as pessoas que estão dentro de uma vida normal estão amortecidas dentro daquele processo. Então nesse sentido as crises são boas, porque elas sacodem essa normose, mas elas precisam ser bem trabalhadas, porque podem gerar impulsos negativos. No Budismo a gente aproveita todas as possibilidades.

Então as crises podem ser portas de entrada para o Budismo?                                    

Eu acredito que isso pode acontecer. A pessoa está passando por um obstáculo, olha em volta e encontra o budismo. Mas o budismo é procurado também por pessoas com outras características, elas não precisam olhar desse modo. Eu não tinha uma sensação de crise, eu queria entender como as coisas funcionavam verdadeiramente.

Quem são hoje as pessoas que te procuram?

Tem pessoas de variadas conexões. Curiosamente, e para mim um pouco surpreendente, pessoas da área de gestão de grandes empresas procuram bastante, porque elas estão sempre buscando ampliar suas visões, desenvolver novas perspectivas. Temos jovens, crianças, casais, pessoas de todas as idades, pessoas que estão em um ambiente de muita dificuldade financeira, vivendo em condições difíceis. No budismo nós operamos com diferentes abordagens de acordo com as perspectivas das pessoas. Há as que têm uma predisposição ao budismo, as que não têm nenhum tipo de conexão, as que têm uma conexão oposta, que estão fazendo coisas muito negativas, há aquelas que têm uma conexão madura e também as que estão se tornando professores. Então para cada uma delas há uma forma de abordagem, uma forma de ajudar.

O senhor é físico, trabalhou muitos anos como professor universitário. Como encontrou o caminho do Budismo?

Tem um certo nível de abordagem dentro do caminho que é quando a pessoa descobre que seu mundo interno é essencial para viver o mundo externo. Os dois mundos são inseparáveis, então esse é um ponto bem interessante. Foi exatamente nesse aspecto que eu vi a conexão entre a ciência e o budismo, porque quando começamos a estudar a história da ciência vemos que ela desenvolveu muitas diferentes ideias ao longo do tempo. Durante várias gerações os cientistas se enganaram com visões limitadas, então vieram as gerações subsequentes e conseguiram ultrapassar essas limitações. E por que a geração anterior não conseguiu? É a psicologia da ciência. A gente descobre que quando um cientista olha o mundo ele já tem seus condicionamentos. Então quando percebemos que as ideias mudaram não quer dizer que o telescópio melhorou, mas sim que internamente eles trocaram posições.

Então muito da sua visão da física mudou?

Mudou, porque na verdade eu já tinha percebido isso, mas é algo que não se fala dentro da física. O que aconteceu é que eu encontrei no Budismo um detalhamento disso, como a gente examina o mundo interno, e pensei que não deveria deixar isso passar, que iria olhar isso como um cientista e fui entrando nesse âmbito, conhecendo diferentes mestres. Eu comecei a me dedicar ao budismo em 1982 e a partir daí minha tarefa sempre foi traduzir e meditar, estudar, contemplar os textos. Pedi uma licença na universidade por dois anos e meio para poder mergulhar nisso, porque dentro do departamento de física eu não conseguia trabalhar essas coisas comparativamente. Então fui viver no campo, sem água encanada, foi bom para mim.

Cebb
Cebb SP
Cebb SP

E quando CEBB (Centro de Estudos Budistas Bodisatva) foi fundado?

Eu fundei o CEBB em Porto Alegre em 1986 e em 1997 nos mudamos para Viamão. Era uma casa em Porto Alegre, então a gente passou a ter uma sede rural, uma comunidade, e as pessoas foram morar nesse local, há um templo, uma escola, uma série de atividades. Hoje nós temos perto de 40 centros em diferentes cidades do país, Florianópolis é uma. E temos seis sedes rurais, na de Viamão há tem torno de 80 pessoas morando. Hoje eu vou somente a algumas dessas cidades, porque há outros professores cuidando desses centros, então vou ao Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Florianópolis, raramente para João Pessoa e eventualmente a Salvador, mas essencialmente estou indo às sedes rurais.

E por que o senhor acha que o Budismo tem crescido tanto?

O CEBB tem uma característica especial, não sei se o Budismo como um todo está se expandindo tanto, acho que está, mas em termos de organização o CEBB está crescendo, eu fico admirado também. Acho que isso acontece porque a gente está sempre desenvolvendo uma forma me ajudar as pessoas, nosso ponto principal é esse, não é uma coisa organizacional. A gente não tem uma estrutura financeira, não temos um grande patrocinador, o foco é em como trazer benefícios às pessoas. O budismo nessa abordagem não sectária dialoga bem com vários setores, tem uma boa conexão com os maristas, com os franciscanos, é curioso.

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