”A felicidade surge do que trazemos ao mundo” Entrevista com Alan Wallace

 Um dos pioneiros na conciliação das modernas pesquisas sobre a consciência com as tradições contemplativas, o norte-americano B. Alan Wallace explica a importância de um modo de vida amoroso, compassivo e benevolente na conquista do bem-estar e do equilíbrio interior.

Para o físico norte-americano B. Alan Wallace, discípulo do dalai lama, a união entre fé e ciência pode ajudar a decifrar o poder terapêutico da mente. Pioneiro nas modernas pesquisas sobre a consciência, ele oferece um método prático e revolucionário que une insights de físicos e filósofos atuais com tradições contemplativas. Formado em física e filosofia da ciência, com doutorado em estudos religiosos pela Universidade de Stanford, Wallace criou na Califórnia o Instituto Santa

Bárbara de Estudos da Consciência, que comanda em parceria com profissionais como o psicólogo norte-americano Paul Ekman. Em 2010, o físico dirigirá um centro de retiros na ilha de Phuket (Tailândia) para 40 pessoas, as quais serão acompanhadas, durante 80 dias, por cientistas que conduzirão exames neurológicos e psicológicos realizados em um laboratório local. Durante sua segunda visita ao Brasil, em junho deste ano, Wallace fez palestras em várias capitais brasileiras

sobre a convergência entre ciência e práticas meditativas e o que ele chama de “ciência da felicidade”, e lançou o livro Dimensões escondidas – A unificação de física e consciência (Ed. Peirópolis e Instituto Caminho do Meio).

download-10

Quais são as últimas descobertas sobre o estudo da mente?

Inúmeros estudos da mente estão sendo conduzidos em todo o mundo, por equipes de psicólogos e neurocientistas, e por isso não há como resumir as últimas descobertas. As mais significativas têm a ver com a “neuroplasticidade”, que inclui a habilidade de mudar o cérebro por meio de treinamento mental. Um sumário recente, excelente, dessas pesquisas está no livro Train your mind, change your brain: how a new science reveals our extraordinary potential to transform ourselves (“Treine sua mente, mude seu cérebro: como uma nova ciência revela nosso extraordinário potencial para nos transformarmos”), de Sharon Begley (Ballantine Books). Muitos estudos científicos mostraram que o treinamento em meditação pode levar a uma redução do estresse, da depressão e da ansiedade, e melhorar nossa atenção, nosso equilíbrio emocional e nossa resiliência mental, levando-nos a uma sensação de maior bem-estar interior.

 

Pesquisas com meditadores parecem revelar que apenas os que meditam por milhares de horas conseguem mudar suas mentes. Se for assim, como convencer as pessoas a meditar ?

Estudos recentes de psicólogos, como Michael Posner, e neurocientistas, como Antoine Lutz e Amish Jha, mostram que mesmo aqueles que meditam pouco podem obter benefícios significativos com essa prática diária. Durante anos, colaborei com o psicólogo Paul Ekman na criação e estudo científico dos efeitos de um programa de treinamento de 45 horas, chamado “Cultivando o Equilíbrio Emocional”. Nossa equipe descobriu que a participação nesse treinamento e a meditação por apenas 20 minutos diários podem trazer muitos benefícios. Então, como em qualquer outro propósito humano importante, quanto mais meditarmos, maiores serão os ganhos.

 

Já existem muitas drogas que agem diretamente no cérebro e mais de 600 para distúrbios neurológicos estão em desenvolvimento. A ressonância magnética feita em pessoas meditan – do mostra que elas desenvolvem o lóbulo frontal direito, responsável pelo surgimento de emoções como a compaixão. O sr. acredita que é possível desenvolver medicamentos que ajam nessas áreas e desenvolvam a capacidade compassiva e amorosa das pessoas ?

Essas qualidades não se devem apenas a reações químicas no cérebro; têm a ver com o modo geral de vida de cada um, com evitar danos e estar a serviço sempre que possível.

E estão profundamente relacionadas com cada visão de mundo, as atitudes que temos para com nós mesmos e com os outros. Se levarmos uma vida hedonística, egoísta, e adotarmos uma visão materialista do mundo, focada em consumismo como um meio para a felicidade, nenhuma quantidade de drogas infundida no cérebro poderia gerar um sentimento de cuidado e compaixão pelo outro. Já um modo de vida benevolente e um coração amoroso produzem significativas e duradouras mudanças em nosso cérebro. Não acredito que simplesmente tomar um remédio faça surgir profundas mudanças em nossas atitudes, altruísmo ou genuíno bem-estar.

Pode-se afirmar que o sr. se esforça para juntar o budismo e a física quântica ? Se for assim, como pode o budismo se beneficiar, já que a física quântica se baseia em teorias que podem ser ultrapassadas e revisadas , como qualquer outra?

Escrevi dois livros – Choosing reality: a buddhist view of physics and the mind (“Escolhendo a realidade: uma visão budista da física e da mente”) e Hidden dimensions: the unification of physics and consciousness (“Dimensões escondidas: a unificação da física e da mente”) – sobre o budismo e a física moderna e servi como intérprete para o dalai lama, em diálogos com físicos eminentes de todo o mundo. Nesses escritos e debates, não tentamos validar o budismo traçando paralelos com a

física quântica. As teorias podem mudar ao longo do tempo, e seria contraproducente tentarmos validar o budismo baseados em visões provisórias e incompletas da realidade física. Mas acredito, como o dalai lama, que introvisões genuínas acerca da natureza dessa realidade foram obtidas por filósofos e contemplativos budistas, as quais se assemelham a algumas das autênticas visões da física moderna.

O estudo experiencial da consciência, em primeira pessoa, é largamente descuidado na ciência como um todo, e o budismo tem uma grande contribuição a oferecer aqui. Ele apresenta experimentos, usando sofisticados meios de explorar a consciência por meio da meditação. Ao trazerem seus métodos e suas visões para o diálogo com a física e outros ramos das ciências naturais, as teorias e práticas budistas tornarão mais clara sua relevância para o mundo moderno.

É possível se iluminar sem longos retiros de meditação?

Há inúmeros tipos e estágios de iluminação espiritual que podem ser obtidos por certos indivíduos, sem o engajamento em prolongados retiros de meditação. Muitos têm dons naturais para matemática, música, artes e assim por diante, sem passar por anos de treinamento. Outros, porém, precisam de um longo tempo de treinamento e prática para atingir a excelência em qualquer campo de pesquisas altamente desenvolvido, seja em ciências, filosofia ou espiritualidade. Assim, é mais possível alcançar a iluminação como resultado de anos de treino e prática do que sem esse preparo.


O budismo que está surgindo no Ocidente, mais voltado para a prática na vida diária, pode levar à iluminação que o Buda descreveu e ensinou?

Budistas sinceros no Oriente e no Ocidente focam seus esforços em práticas pessoais diárias e no serviço ao mundo, e uma vida assim gradualmente leva à iluminação que o Buda atingiu. Mas, se quisermos atingir a iluminação do Buda em uma única vida, poderão ser requeridos anos de prática meditativa altamente focada, como o próprio Buda o fez, e como fizeram muitos de seus realizados seguidores, ao longo destes 2.500 anos.

WLBIB_monk_EEG08_2827

 

 O que significa a expressão “ciência da felicidade “?

Ao usar esse termo, refirome a uma disciplina de busca racional e empírica das causas, da natureza e dos benefícios do cultivo da felicidade genuína. Esta última se refere a estados de bem-estar interior, que surgem não do que obtemos do mundo, mas do que trazemos a ele. Decorre de levar uma vida benevolente, não danosa, que resulta do refinamento e do equilíbrio do coração e da mente, por meio da meditação, e do ganho de uma visão experimental direta das verdades fundamentais sobre nossa natureza e o mundo que nos cerca. Como ela é experimental e surge de causas observáveis, pode ser estudada cientificamente. A ciência da felicidade genuína pode nos ajudar a obter a comunhão das religiões do mundo e a resolver os conflitos entre religião e ciência.

Deus existe?

É impossível comentar a existência de Deus sem especificar o que exatamenteestamos dizendo com a palavra “Deus”. Há os que conside ram essa uma questão inteiramente de fé ou crença religiosa, e os que argumentam que é uma questão de experiência pessoal. Mesmo os que dizem conhecer Deus pela própria experiência costumam interpretá-la de acordo com crenças, suas ou de seus pares.

Não acredito na existência de um Deus independente do mundo natural, que o cria, o governa, causa desastres naturais, premia com salvação eterna os que o seguem e pune com a danação eterna os que nele não acreditam e os que levam suas vidas no mal. Não posso acreditar que um Deus compassivo infligiria punição infinita por crimes finitos, e muito menos que puniria pessoas eternamente por suas crenças, religiosas ou não. É igualmente implausível a hipótese de que o universo é uma máquina sem mente, e que a consciência misteriosamente surja de alguma “ainda-não-explicada”

configuração de substâncias químicas. Essa é a crença dos materialistas – mas, já que eles não conseguem explicar como isso acontece e não têm nenhuma forma de submeter tal crença a testes empíricos, ela não é verdadeiramente uma hipótese científica.

É somente uma opinião, como qualquer outra assunção metafísica ou religiosa.

Mas nem todos os cristãos veem Deus dessa forma. Nicolau de Cusa, contemplativo cristão do século 15 que foi cardeal da Igreja Católica Romana, declarou: “Você não encontra nada em você como Deus, mas certamente afirma que Deus está acima de tudo isso, como causa, início e luz da vida de sua alma que conhece… Você se alegrará de ter encontrado Deus além de toda sua interioridade como a fonte do bem, de onde tudo que você tem flui para você. Você se dirige a Deus entrando cada dia mais profundamente em seu interior, renunciando a tudo que está fora, para que seja achado naquele caminho em que Deus é encontrado, para que depois disso possa perceber Deus na verdade.”

Essa noção de Deus, que transcende a divisão de “dentro” e “fora”, é muito mais próxima da visão budista do divino, como uma perfeição residente, que pode ser realizada por meio da busca contemplativa nas profundezas da consciência. Se for assim que definimos Deus, eu diria que Deus de fato existe, e que a busca experimental de Deus é o maior significado da existência humana.

Revista Planeta, Novembro de 2009, páginas 5 a 7

Confira agora, uma palestra espetacular, com Alan Wallace: 

E um conselho…

QUER RECEBER ENSINAMENTOS BUDISTAS POR E-MAIL? CLIQUE AQUI E CADASTRE-SE!

Comentarios:

comments

  • gelson machado

    Muito gratificante entra em contato com esses textos!
    Muito Grato!
    Gassho