Nós realmente “não temos escolha”? – Um budista israelense argumenta que se realmente ansiamos por paz, deveríamos respeitar a dignidade humana.

Um budista israelense argumenta que se realmente ansiamos por paz, deveríamos respeitar a dignidade humana.

Eu escrevi isso enquanto um grande número de civis estavam sendo mortos, feridos e desabrigados em Gaza, e foguetes do Hamas estavam sendo disparados em direção a Israel. Mas a maior parte do texto foi escrita antes, em agosto de 2006, durante a guerra entre Israel e o Hezbollah, no Líbano. A tragédia é que a maior parte do texto deste artigo é o mesmo, porque nada mudou. Guerra segue guerra, apenas com uma trégua no meio.

Cada frenesi de violência abre caminho para o próximo. Durante a Guerra do Líbano, eu estava na linha de fogo na aldeia ecológica do Clil, no norte de Israel. Os dias foram marcados por rajadas estrondosas de foguetes Katyusha, que haviam aterrissado de forma intermitente, bruscamente, em qualquer lugar – e eu tinha desistido de buscar abrigo. Ao mesmo tempo, a artilharia israelense trabalhava continuamente, dia e noite. Então, como agora, eu sinto as explosões em meu ser, sentindo a violência e a terrível tragédia e sofrimento que elas trazem. Sinto uma enorme tristeza e compaixão pelo sofrimento que não conhece fronteiras nem lados. Naquela época, como agora, há um forte consenso em Israel – 95% da população – de que nós, israelenses, estamos certos, de que não temos escolha, de que precisamos “defender” a nós mesmos. Estou aterrorizado com o consenso que, de alguma forma, faz com que seja possível infligir tanto mal aos nossos vizinhos.

Um ponto de vista sustentaria que esta autodefesa genuína é possível, o último recurso de violência para defender-se quando todas as outras opções tenham se esgotado. Mas a ética exige que usemos o mínimo de força necessário para incapacitar o atacante e nada mais. A tradição budista, por exemplo, não proíbe a autodefesa, e se desenvolveu ao lado de técnicas de artes marciais que protegem o atacado, sem ferir o atacante. É evidente que este não é um imperativo na imensa morte e destruição no Líbano em 2006 e em Gaza hoje.

Casos de autodefesa genuína são extremamente raros, e em praticamente todos os casos de conflito existem soluções sábias e amáveis que não são vistas e não são tomadas. “Nós não temos escolha” significa, geralmente, que não temos a sabedoria para agir de forma diferente. A maioria das guerras, incluindo esta, depende de medo, da insegurança, da raiva ou da vingança. Estas são as emoções individuais e públicas, muitas vezes atiçadas pela mídia e pelos líderes políticos. As emoções criam uma cegueira nacional em que vizinhos se tornam demonizados e rotulados como “o inimigo”.

Então, torna-se impossível comunicar-se realmente com o “outro” e resolver quaisquer problemas em conjunto. O medo e a insegurança são perigosos: é da natureza humana querer destruir o objeto ou fonte de ansiedade e medo, que são emoções desconfortáveis. A maioria das guerras é travada em nome da paz, mas, na realidade, elas estão realmente lutando em busca de conforto. Em vez de lidar com os medos e as suas causas profundas, tentam destruir a sua fonte externa. Se virmos claramente essas emoções que são varridas através da atmosfera social, então podemos assumir a responsabilidade por elas, cuidar delas, e não permitir que elas levem à morte desnecessária.

Ao não se identificar com essas emoções e não acreditar nas visões que possam surgir a partir delas, tudo parece diferente. O chamado terrorista torna-se um garoto palestino que sofreu muito e precisa ser ouvido; o chamado agressor sionista torna-se um homem de família israelita, cujos pais foram assassinados no Holocausto; o soldado israelense e o militante Hamas podem ser vistos como homens patrióticos jovens, ressentidos e que sofrem ao dar e receber violência. Se não formos capazes de fazer isso, teremos limitado severamente a nossa visão e a nossa liberdade de agir sensatamente. Se não nos colocarmos no lugar dos outros, ouvi-los, entender os medos, a raiva e a dor que os leva a lutar, e saber o que nós podemos fazer para ajudar uns aos outros a resolver os conflitos, como podemos dizer que  “não temos escolha”?

Há uma escolha para ver as coisas de forma diferente: ver “nós mesmos” e “eles” como um hábito da mente e não uma realidade; ver o quanto estamos conectados, e não separados. Dor e alegria, amor e vida e o medo da morte não conhecem fronteiras entre nós e eles. Todos nós podemos acordar para perceber que a nossa felicidade depende da felicidade dos nossos vizinhos, e vice-versa, e a nossa segurança real está na união, não em conflito rebelde.

Os Israelenses acham que essa guerra começou quando Hamas disparou foguetes contra Israel. Mas é evidente que este não foi o começo – a cadeia de violência remonta gerações. A violência vem em cadeias. Cada ato de violência gera mais um ato de violência, criando as condições –  especialmente o clima emocional – para a próxima. Cada ato de violência torna mais difícil iniciar os atos de paz. E a cada ato de condições violentas, a consciência coletiva sente que a paz é impossível e que a violência é a única opção que resta.

Mas não é preciso muito discernimento para ver esse processo acontecendo e se desenrolando em outra direção. É possível criar cadeias de pacificação, transformar atos de agressão em atos de cura, olhar as janelas de oportunidade para a comunicação, o diálogo e a compreensão do outro. Quando isso não é feito, dificilmente pode-se dizer que não há escolha. Há sim. Para quebrar a cadeia. Para tomar outro caminho. A não violência não significa não fazer nada. Significa uma tentativa enérgica de criar outro clima. Isto requer força e firmeza, qualidades que são mostradas por pacificadores genuínos. Mahatma Gandhi disse: “A não violência é a arma dos fortes.” Sempre podemos fazer esta escolha.

O que levanta mais perguntas. Quais são as intenções reais por trás da guerra e qual é a visão real para o futuro? Nós ansiamos por paz, realmente e profundamente, ou estamos apenas dizendo isso? Se ansiássemos por paz nossas ações deveriam ser pacíficas, e a guerra não surgiria. Todos nós iríamos começar um processo de diálogo, cura e apoio com os mesmos recursos e determinação com que promovemos a guerra.

Seria simplesmente impossível, em uma intenção de paz de Israel, tomar a terra e a água de palestinos da Cisjordânia, se estabelecer em todo o seu território e construir uma barreira de concreto em suas terras entre suas aldeias, ou sitiar toda a população de Gaza. Palestinos com intenção de esquecer as mágoas do passado seriam totalmente desencorajados pela loucura dos homens-bomba e foguetes. Nenhum dos lados teria qualquer incentivo para bombardear ninguém. Se realmente ansiamos por paz, deveríamos respeitar a dignidade humana. E assim nós a teriamos.

Stephen Fulder é fundador e professor sênior da maior organização Dharma em Israel, a “Israel Insight Society” (Tovana), e trabalhou extensivamente em programas de manutenção da paz inspirados no Dharma.

Matéria traduzida da Revista Tricycle

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