Queimando tudo: um budista fumante de maconha conta sobre deixar de fumar a erva.

O uso de maconha está cada vez mais comum e encontra um tipo de aceitação em toda a América. Então, por que, depois de um longo caso de amor com erva, este budista chutou este hábito de sua vida?


Eu sou bastante pró-maconha. Certamente as pessoas podem ter problemas com ela – as pessoas podem ter problemas com qualquer coisa – mas muitas pessoas são capazes de usa-la de forma mais ou menos inofensiva, tendo até mesmo agradáveis experiências, até frutíferas com ela.

Mas para mim, o hábito de fumar tornou-se algo desequilibrado.

Ficar chapado pode levar a uma diversão inocente, mas ao longo do tempo pode causar a você uma espécie de ”recuo para dentro”.  O que está acontecendo “lá fora”, por vezes, não pode competir com as produções de grande orçamento que estão ocorrendo em sua cabeça.

Você pode se retirar ainda mais se, como eu, você é um pouco envergonhado do seu uso. Eu tenho vergonha porque eu sei, e sei disso a um tempo, que o uso tem me limitado na minha prática do dharma.

Eu já fiquei breves períodos sem fumar no passado, e me senti bem (na maior parte do tempo): mais presente, menos auto-centrado. Mas eventualmente, eu tinha alguma situação difícil com alguém, ou um episódio estressante, ou talvez apenas entediado e sem criatividade o suficiente para trabalhar com a situação. E quando eu percebia, já estava indo comprar a maconha. Eu pensava ”Por que diabos não?”.

Com o estoque reabastecido, eu fumava e as coisas ficavam maravilhosas por um tempinho. Mas logo, eu ficava assombrado pela idéia de não estar sendo verdadeiro comigo mesmo, com meus amigos e com a comunidade. Quando isso acontece com frequencia, você percebe: Ei! Isso não está funcionando.

Eu sempre sabia de alguma forma que meu hábito de fumar poderia comprometer as qualidades que eu estava tentando cultivar como um praticante: estabilidade, compaixão, clareza e por ai vai. Quando tomei os preceitos como um jovem budista, eu os levei bem a sério. Exceto pelo quinto preceito.

Ao recitar o quinto preceito sobre não intoxicar a mente, eu acho que eu sabia que estava falando-o apenas da boca pra fora (eu imagino que meu professor, que não era nenhum bobo, sabia disso também.) As “regras” que os preceitos pareciam representar eram, para mim, contornáveis.

E é verdade: os preceitos de fato tem uma flexibilidade. Cada um deles é simplesmente uma ferramenta que nos permite refletir sobre nosso comportamento e se estamos de fato em consonância com o dharma. Ninguém nos força a tomar os preceitos, e ninguém – muito menos o Buda – esta anotando nosso placar em um caderninho. Tomamos os preceitos porque nos ajudam a despertar a mente de um Bodhisattva, alguém que está tentando colocar outros antes de si.

No entanto, eu aprendi que eu poderia justificar de forma convincente o meu uso de maconha (pelo menos para mim). No geral, eu sou uma pessoa responsável e consciente. Eu pratico freqüentemente, e tenho uma família feliz e uma carreira que eu amo. Ao contrario da velha noção sobre as pessoas que fumam maconha, eu estava fazendo as coisas acontecerem.

Então se eu tenho fumado e praticado o dharma todos esses anos, isso prova que os dois são compatíveis? Eu não diria que são ou não são. O que eu posso dizer é que as coisas chegaram ao ponto em que eu sei que eu deveria deixar este hábito e re-focar nos meus votos e nas razões que me levaram a toma-los. Para que eu não me recuasse para dentro, e sim tomar refúgio nas pessoas e nas situações que tornam a vida o que é, e para ser parte de tudo isso. Para não ser tão auto-indulgente. Para ser um bodhisattva.

Eu não posso dizer que a maconha alguma vez já me ajudou neste sentido. Ela pode fazer um monte de coisas, claro: ouvir música com os amigos fica mais divertido, torna um filme engraçado, mais engraçado e para ser honesto até o sol fica mais claro. Ou parece ficar mais claro.

Essas coisas não são “ruins”, é claro, então por que não?

Por causa da prática.

Durante muito tempo senti que poderia sustentar uma prática significativa, juntamente com algum uso da erva. Mas regularmente, nublar deliberadamente a mente vai eventualmente atrapalhar, se você está tentando trilhar um caminho em que clareza autêntica e presença mental são fundamentais.

Eu sempre tomei cuidado para não misturar “estar alto” com minha prática budista. Então o quanto mais frequente ficava chapado, menos frequente estava praticando. E quanto menos estou praticando, menos estou cultivando compaixão, paciência, felicidade, altruísmo, atenção plena e menos presente estou. E quanto menos eu estou desenvolvendo e cultivando essas coisas, mais eu estou me sacaneando. Isso não me faz feliz, e eu aposto que não é tão agradável para as pessoas ao meu redor, também. Isso não soa para mim como o trabalho de um bodhisattva.

Sim, vou sentir falta de fumar. É divertido e pode fazer os estresses da vida serem menos massantes. Mas o mesmo acontece com a meditação e o estudo do dharma. E o mesmo acontece com estar mais presente quando eu estou andando no parque com amigos e parceira, conhecendo pessoas, colaborando, conversando, ouvindo, estando aberto a um mundo de possibilidades. Que é no que eu “me inscrevi” quando tomei meus votos.

Será dessa vez vai “engrenar”? Até agora, tudo bem. O que eu sei com certeza é que eu estou me sentindo mais feliz, e até um pouco liberado, desde que decidi jogar minha caixinha de estoque no lixo. E ainda melhor agora que disse a verdade.

A maconha ainda é ilegal em 46 estados americanos,  assim, o escritor preferiu manter o anonimato.

Texto publicado originalmente em inglês no Lions Roar

Comentarios:

comments

  • Fabio

    Acho que o autor não entendeu direito o significado de apego. O bom e velho Chögyam Trungpa bebia e nem por isso não levava o dharma a sério.

  • Vinicius

    Ótimo artigo, obrigado por compartilhar, Luís!