Você é a Grande Perfeição

Descanse em sua verdadeira natureza, sem esforço ou distração – Mingyur Rinpoche nos ensina a renomada técnica do Dzogchen.

Yongey Mingyur Rinpoche, 24 de janeiro de 2020

 

Você já é perfeito. Você já é um buda. Na verdade, não existe diferença entre a sua verdadeira natureza agora, enquanto você está sentado lendo este texto, e a verdadeira natureza do buda, ou, a bem dizer, de qualquer outro ser iluminado. 

Esta é a visão do Dzogchen, uma palavra em tibetano que significa “A Grande Perfeição”. A prática do Dzogchen é valorizada acima de todas as outras práticas na escola Nyingma do Budismo Vajrayana porque ela nos ajuda a nos conectarmos diretamente com a nossa própria natureza iluminada.

Esta Grande Perfeição é você agora, neste exato momento, e não algum “você” completamente desenvolvido depois de ter acumulado muito mais horas de meditação.

A sua essência, bem como a essência de cada ser vivente, é pura, íntegra e completa. Não há nada faltando e é por isso que a chamamos de Grande Perfeição. VOCÊ é a Grande Perfeição. Não se esqueça de que o Dzogchen está falando sobre você. Esta Grande Perfeição é você agora, neste exato momento, e não algum ‘“você” completamente desenvolvido, depois de ter acumulado muito mais horas de meditação.

No Dzogchen, damos a esta natureza iluminada o nome de “rigpa”, ou consciência pura. Diferentemente de algumas abordagens, nas quais a Natureza Búdica é ensinada de uma forma mais teórica, e é necessário estudar e meditar por um longo tempo para entendermos do que se trata, o Dzogchen é experiencial. Você é diretamente apresentado à consciência pura, no mesmo instante.

Um modo tradicional de se descrever o Dzogchen é usar os termos “base”, “caminho” e “fruição”.

A Grande Perfeição é a nossa natureza, quer nós nos dermos conta disso, quer não.  Esta é a base do Dzogchen. É a realidade de nossa experiência e é quem somos.

Mas simplesmente saber disso não nos ajuda muito, se não pudermos experienciar essa realidade por nós mesmos. E o modo de fazermos isso é termos esta consciência pura apresentada a nós, e, a partir daí, desenvolvermos familiaridade com ela, até que se torne estável e duradoura. Este processo é o “caminho”.

Então, uma vez que já estejamos familiarizados com a nossa própria natureza, uma vez que já a tenhamos realizado e integrado plenamente em cada aspecto das nossas vidas, seremos capazes de manifestar as qualidades iluminadas que já estavam ali presentes o tempo todo. A isto chamamos “fruição”. 

 

A Base do Dzogchen

Pode parecer um pouco difícil entender o quê, exatamente, é esta “verdadeira natureza”. Então deixe-me explicar um pouco mais a respeito da “base”.

Quando usamos todos estes termos exóticos como “natureza búdica” e “consciência pura”, do que estamos falando realmente? Bem, existem três qualidades principais que devemos observar aqui. Nós nos referimos a elas como “essência vazia”, “natureza luminosa” e “compaixão abrangente”. Esta é a base, a sua verdadeira natureza.

“Essência vazia” significa que a verdadeira natureza da mente, a essência da consciência pura, transcende todas as nossas ideias, conceitos e crenças. Ela está totalmente além de todo o nosso sofrimento e de todos os nossos problemas. Ela é completamente livre. O adjetivo para esta “pureza inerente” – a essência de quem somos – foi, é e sempre será “perfeita”. Ela é completamente pura e nada pode alterar isto.

Esta essência vazia é impossível de agarrar, está além do nosso modo habitual de ver as coisas; no entanto, ela não é “nada”. Há também uma presença sábia, luminosa. É a ela que damos o nome de “natureza luminosa”. Às vezes ela é chamada de “claridade auto-gerada”, porque esta claridade é espontânea e natural. Ela simplesmente está ali, o tempo inteiro. Mesmo quando estamos dormindo, distraídos ou completamente enredados em nossas neuroses, ela está ali, presente.

A essência vazia e a natureza luminosa são uma só. São qualidades inseparáveis. Esta inseparabilidade é a terceira qualidade da base, que chamamos de “compaixão abrangente”. Do mesmo modo que o sol irradia sua luz, esta claridade aberta e espaçosa se manifesta como todos os nossos pensamentos, emoções e percepções. Estas experiências – de fato, todas as nossas experiências – não são outra coisa senão as manifestações ou o jogo da consciência pura.

 

O Caminho do Dzogchen

Mas de que vale simplesmente sabermos disso tudo? Não muito. E é por isso que precisamos de um caminho. Precisamos traduzir o conhecimento destas belas ideias e palavras em uma verdadeira experiência.

O caminho do Dzogchen é realmente muito simples. Isso não quer dizer que seja fácil, e, sim, simples. A única coisa que precisamos fazer é reconhecer esta natureza pura interior. Precisamos experiencia-la por nós mesmos. Apenas isso. Se quisermos complicar um pouquinho, podemos dizer que primeiro precisamos ser apresentados à consciência pura e depois nos familiarizarmos com ela. 

Então, como é que isso acontece?

É aqui que a figura do professor se torna importante. Há muita coisa acontecendo em nossas mentes. Temos todo tipo de memórias e reações, emoções e expectativas. Em resumo, a nossa é a “mente de macaco”.

Enxergar a qualidade sutil da vacuidade luminosa em meio a toda a nossa atividade mental cotidiana não é uma tarefa fácil. Se fosse, já teríamos reconhecido “rigpa” há muito tempo! Mas um professor (ou professora) habilidoso que já reconheceu a consciência pura em si mesmo, e que detém uma linhagem autêntica, é capaz de aponta-la para nós. Ele ou ela pode nos ajudar a encontrar nosso caminho através de todas as complexidades da nossa mente, de modo a podermos enxergar esta realidade simples e sempre presente.

Talvez você esteja pensando que, como já é perfeito e como esta natureza desperta já está presente como a própria natureza da sua mente, então não há necessidade de meditar nem de fazer prática. Mas nada poderia estar mais distante da verdade. O truque aqui é o modo como você pratica. Você ainda vai precisar meditar, mas vai meditar sem esforço. Você ainda vai precisar praticar, mas vai praticar com naturalidade.

Ao invés de praticar com a noção de que existe algum nível a ser alcançado para além de onde você se encontra agora, a prática principal consiste em aprender a confiar que esta pureza original está sempre presente, especialmente quando parece não estar. Cada passo que você der no caminho deve reforçar sua confiança de que a consciência pura está presente, exatamente aqui e agora. E até que o seu reconhecimento seja inabalável, você ainda precisará fazer a prática formal.

 

A Fruição do Dzogchen 

Como eu disse, o cerne do caminho é simplesmente reconhecer a natureza da mente e voltar a este reconhecimento outra e outra vez, até que ele se torne tão familiar para você quanto um velho amigo. 

Se você fizer isto, vai chegar um dia em que terá experienciado esta consciência pura de um modo tão completo e absoluto que nunca mais vai perder contato com ela. Então, quando estiver meditando, estará meditando na consciência pura. Quando estiver comendo, estará comendo na consciência pura. Mesmo quando estiver dormindo, ainda estará repousando no reconhecimento da consciência pura.

É a isto que chamamos de “realização completa”, a fruição do caminho. Neste ponto, todas as qualidades da base, sua verdadeira natureza iluminada, tornam-se manifestas. Elas estavam presentes ali o tempo todo, mas como você não sabia disso, era quase como se não existissem. Mas agora você as conhece. Você as conhece total e absolutamente. Sabedoria perfeita, compaixão ilimitada, a capacidade espontânea de trazer benefício aos outros seres – tudo isso se manifesta.

Esta fruição é simplesmente a expressão completa da sua natureza verdadeira. É como se você saísse e viajasse pelo mundo inteiro, buscando e procurando, ali e acolá, por alguma paz de espírito. E, no final, você voltasse para casa e se desse conta de que tudo aquilo que você estivera procurando sempre esteve bem ali, no lugar de onde você partiu. Essa é a Grande Perfeição.

 

Prática: Dzogchen

A parte mais difícil da prática de Dzogchen é que ela não se trata de algo que possamos fazer. O ponto principal é que estamos aprendendo a reconhecer aquilo que já está presente, ao passo que o nosso impulso de “fazer” está baseado na suposição de que este “quem” e este “o quê” que nós somos no momento presente precisa de alguma melhoria. Então, como fazer esta prática?

A meditação Dzogchen envolve três qualidades importantes: falta de esforço, presença e naturalidade. Em termos tradicionais, estas três qualidades são chamadas de “não-meditação”, “não-distração” e “não-fabricação”.

Para nos conectarmos com a falta de esforço, nos movemos do modo “fazer” para o modo “ser”. Abrimos mão do impulso de ficar nos ocupando com o painel das nossas experiências e nos damos permissão para, simplesmente, ser. Repousamos na consciência sem esforço.

Mas, enquanto repousamos na consciência sem esforço, não ficamos perdidos nem distraídos. Ficamos completamente presentes, alertas e conscientes. Esta presença é a segunda qualidade. Não é algo que precisamos fazer acontecer. Ela já está conosco o tempo todo. Quando abrimos mão do esforço e simplesmente repousamos, estamos nos dando a oportunidade de reconhecer a natureza clara e aberta da consciência, de ser esta claridade e abertura.

Não há nada que possa diminuir a consciência sem esforço. Todos os nossos pensamentos, emoções, percepções e impulsos nascem desta sábia presença e se dissolvem de volta nela. Por este motivo, não precisamos criar nenhum estado mental especial para experienciar a pureza inerente da mente. Não precisamos bloquear pensamentos nem emoções, nem tampouco controlar os movimentos da nossa atenção. Apenas ser como somos.

E esta é a terceira qualidade – a naturalidade. Deixamos que tudo se manifeste, sem tentar corrigir, alterar ou melhorar qualquer coisa.

À medida que nos sentimos mais confortáveis com a prática de repousar na consciência plena, estas qualidades de ausência de esforço, presença e naturalidade irão emergir, e, gradualmente, poderemos ver que esta consciência ampla é quem nós somos realmente.


Publicado originalmente no site www.lionsroar.com em 03 de fevereiro de 2020.

Tradução: Claudia Roquette-Pinto

Revisão: Luís Fernando Machado

SOBRE YONGEY MINGYUR RINPOCHE

Yongey Mingyur Rinpoche é um mestre de meditação das linhagens Kagyu e Nyingma do Budismo Tibetano. Ele é o professor responsável pela Comunidade Tergar de Meditação, uma rede global de grupos e centros de meditação.


As inscrições para eventos com a instrutora sênior do Tergar International, Myoshin Kelley, no Brasil, em  março próximo já estão abertas, conforme abaixo:

Rio de Janeiro:

Retiro Residencial: Interdependência – Meditação e a Ecologia do Coração

Neste retiro residencial de fim de semana, experimentaremos a verdade da interconexão por meio de práticas de atenção e compaixão, de ensinamentos e troca de ideias, para que possamos viver a partir do lugar onde encontraremos nosso coração sábio e compassivo.

Quando: dias 14 e 15 de março de 2020 (sábado e domingo)

Local: Casa de Retiros Padre Anchieta – Rua Capuri 1500, São Conrado, Rio de Janeiro, RJ

Para a inscrição, envie o nome completo, telefone e e-mail para: tergarbrasil@tergar.org

 

São Paulo:

Workshop: Abraçando as Emoções

Neste workshop de fim de semana vamos descobrir como abraçar a energia e a riqueza de nossa vida emocional como um caminho para a paz interior e o equilíbrio, como uma fonte de compaixão genuína e calorosa e, finalmente, como sabedoria profunda.

Quando: dias 21 e 22 de março de 2020 (sábado e domingo)

Local: Alameda Santos 787 – térreo, Cerqueira César, São Paulo, SP

Para a inscrição, envie o nome completo, telefone e e-mail para: tergarbrasil@tergar.org

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