Brincar de meditar

Brincar de meditar

Com jeitinho, dá para ajudar o pimpolho a desenvolver práticas contemplativas

Em vez de passar os dias preenchendo os horários com judô, natação, inglês, balé, computação, escola, há crianças que reservam alguns minutos diários para a meditação. Sim, meditação, aquele ato consciente de retirar-se, normalmente em quietude, que parece impensável para seres tão ligados no 220 como crianças. Mas elas podem, sim, meditar. E fazem isso com prazer, desde que o ato de meditar não seja mais uma obrigação – como o judô, natação, etc.etc. a que muitos pais submetem seus filhos.

Se você já imaginou aquele moleque que não larga o videogame transformado num anjinho sentado em posição de lótus, repetindo mantras por horas, calma lá. Embora tenha, em linhas gerais, os mesmos objetivos e benefícios que traz para os adultos, a meditação para crianças segue três regras básicas. A primeira delas é que a criança não deve se sentir obrigada a praticá-la. A segunda é que o baixinho deve meditar por pouco tempo, alguns minutos apenas as crianças se distraem muito. A terceira dica é que toda meditação deve seguir uma orientação de adultos, pelo menos no início.

A criança não “aprende” a meditar e nem, quando os pais dizem “é hora de meditar”, ela, como por mágica, vai para o quarto e começa a prática, como se estivesse estudando para a prova de ciências. Não é assim. O ideal é que haja uma evolução natural: a criança começa com um minuto por dia, depois de ouvir uma história ou seguindo uma orientação passo a passo. Algo suave como: “Feche os olhinhos, pense no ar que está enchendo o seu peito, conte… ar entrando, ar saindo… ar entrando, ar saindo… agora preste atenção no toque do sino…” E por aí vai. A intenção é levar a criança a um estado ainda mais avançado que o do simples relaxamento; é como se o cérebro se desligasse de pensamentos por alguns momentos.

Depois de meditar por um minuto num dia, o pequeno pode conseguir por dois minutos, três, quatro. Em seguida, pode ter vontade de fazer por conta própria, quando quiser. Acredite: não é impossível. Com os gêmeos Bruno e Gabriel Damásio, de 10 anos, meditar faz parte do dia-adia.“ Outro dia um deles me disse que às vezes repete um mantra durante a aula ou no intervalo”, conta a mãe, Luciana Damásio. Os meninos foram introduzidos muito cedo no budismo tibetano, mas sem obrigações: nunca foram ensinados a meditar, o interesse apareceu por conta própria.

Também foi assim com Alexandre, de 7 anos, filho da artista plástica Fernanda Valadares. “Eu gosto muito de repetir mantras, parece que eu fico descansado, é gostoso”, conta o menino. A mãe diz que Alexandre se aproxima espontaneamente enquanto ela está meditando com mantras. “Às vezes ele fica por um tempo até surpreendente, mais de 10 minutos”, relata Fernanda.

Olhar interior
E para que uma criança medita? Porque, como os adultos, elas também sofrem com o estresse diário, mesmo que não pratiquem judô, natação e outras 20 atividades semanais. Elas precisam escapar das preocupações – a proximidade de uma prova ou a desavença com um colega, por exemplo, e podem aprender a se conectar consigo mesmas. Verdade que a infância é momento de gastar energia e descobrir o mundo exterior. Mas há quem defenda a meditação por considerar que as crianças hoje estão superexpostas a estímulos externos. A prática ajuda a torná-las mais concentradas e relaxadas – e quem convive com os pimpolhos sabe o quanto isso pode ser benéfico.

“Quando aplicada corretamente, a meditação ensina a criança a ter autocontrole”, diz a psicóloga norte americana Deborah Rozman, autora de Meditação para Crianças. Segundo ela, estudos comprovaram que a meditação ajuda pequenos muito inquietos a controlar o temperamento. “Crianças arteiras ou hiperativas têm mais dificuldade de meditar, mas são extremamente beneficiadas quando conseguem”, completa Márcia de Luca, fundadora do Centro Integrado de Yoga, Meditação e Ayurveda (Ciyma), de São Paulo.

Desligar-se por alguns minutos dos problemas passados e futuros tem efeitos físicos e psíquicos comprovados por diversos estudos. A meditação ajuda a liberar endorfina, que produz sensação de bem-estar, ao mesmo tempo que diminui a produção de adrenalina (que, nas crianças, está sempre lá em cima) e cortisol (hormônio ligado ao estresse). “Cinco minutos de meditação antes da aula ajudam a criança a absorver o aprendizado”, diz Márcia de Luca, que já deu orientação a professores.

Uma bela maneira de colocar a criança em contato com a meditação é através de atividades lúdicas. No templo de budismo tibetano Odsal Ling, em Cotia, acontece no primeiro domingo de todo mês a Ciranda do Dharma, voltada para crianças de 5 a 11 anos. O lama Norbu conta histórias com algum princípio budista e depois faz atividades relacionadas. Por exemplo: quando foi contada a história do padeiro sovina que aprendeu a dividir o pão, as crianças da Ciranda fizeram diversos pães.

No final, há meditação e recitação de mantras.Coisa rápida, que as crianças adoram. “Usamos algum instrumento de apoio, como um sino, para ajudar no foco da meditação”, explica o lama Norbu. No budismo tibetano, a meditação é feita por meio de um mantra ou verso indicado para cada pessoa. “Tradicionalmente, as crianças não recebem treinamento para a meditação antes dos 11 anos, mas, com orientação adequada, práticas simples de meditação podem ser introduzidas para crianças menores.”

A idade ideal para começar a prática não é consenso entre os iniciados. Um conceito muito utilizado é o de que a criança está pronta para meditar quando consegue acompanhar uma história, prestando atenção, algo como assistir O Rei Leão até o fim. “Minhas crianças começaram com 4 anos”, diz Susan Kramer, norte-americana que começou a trabalhar essa meditação em 1965 e é autora de livros sobre o assunto, nenhum deles traduzido no Brasil. Ela diz que basta colocar a criança deitada de costas, “relaxada como uma boneca de pano”, para iniciar uma meditação guiada. “Contar a inspiração e a expiração duas vezes já é um começo.”

Márcia de Luca acredita que a meditação pode ser introduzida por volta dos 8 anos. O método de Márcia é o difundido pelo guru indiano Deepak Chopra, no qual se repete o que ele chama de som primordial individual, escolhido a partir da hora e do local de nascimento de cada pessoa.

Mais importante que descobrir quando começar é perceber quando se deve parar. Se a criança não se interessa pela meditação, não vale a pena obrigar ou se chatear. Ela pode se interessar pelo assunto mais tarde. Ou não. Só não pode achar que a prática é uma obrigação a mais no dia-a-dia. Isso iria contra todos os possíveis benefícios da meditação.
PARA SABER MAIS

LIVROS:
Meditação para Crianças, Deborah Rozman, Editora Ground

NA INTERNET:
http://www.odsalling.org/ – site do templo de budismo Odsal Ling

Child Meditation for Children, de Susan Kramer. Mais E-books sobre meditação para crianças disponíveis para download pago no site http://www.lulu.com/susankramer.

http://www.humaniversidade.com.br/boletins/brincar_de_meditar.htm

Comentarios:

comments

  • Lucia

    Adorei este artigo.Acredito que a meditação pode nos trazer de volta p nossa natureza mais pura!
    Gratidão!