Tulku Urgyen Rinpoche nasceu em Nangchen, na província de Kham, leste do Tibete, em 1920. Ele começou a prática da meditação com a idade de quatro anos, quando participou dos ensinamentos que seu pai, Chime Dorje, dava para seus alunos. Ainda aos quatro anos ele teve o que se chama de reconhecimento da natureza da mente. Mais tarde, estudou com seu tio Samten Gyatso, seu mestre raiz, bem como com muitos outros lamas das escolas Kagyu e Nyingma. Entre os mestres da linhagem de quem ele inspirou-se foram Milarepa e Longchen Rabjam — apenas em ouvir seus nomes, lágrimas vinham aos seus olhos.
Em sua juventude, ele praticou intensivamente, e ficou em retiro por um total de 20 anos. Quando ele deixou o Tibete ele foi para Sikkim e, em seguida, estabeleceu-se no Nepal no eremitério Nagi Gompa, nas montanhas acima do vale de Katmandu. Ele foi o primeiro lama a difundir os ensinamentos do budismo tibetano na Malásia. Em 1980 Tulku Urgyen rodou o mundo dando ensinamentos, passando pela Alemanha, Bélgica, França, Suíça, Dinamarca, Holanda, Grã-Bretanha, os EUA, Hong Kong e Cingapura. Em seus últimos anos, no entanto, ele não viajava muito e seus muitos alunos, tanto orientais e ocidentais, iam para o Nepal para visitá-lo.
Tulku Urgyen realizou muita coisa em sua vida. Ele construiu e restaurou muitos templos e estabeleceu seis monastérios e centros de retiro na região de Kathmandu. Ele tinha mais de trezentos monges e monjas sob sua orientação. Em particular, ele construiu um mosteiro e um centro retiro de três anos no local da caverna sagrada de Asura, o local do famoso retiro de Padmasambhava. Em sua infância, ele foi reconhecido pelo Décimo Quinto Karmapa Khakhyap Dorje, como a reencarnação do mestre Chowang Tulku, e ele também era uma emanação de Nupchen Sangye Yeshe, um dos vinte e cinco principais discípulos de Padmasambhava. Ele era detentor de linhagem de muitos ensinamentos e transmissões, especialmente a dos termas de seu bisavô Chokgyur Lingpa. Ele transmitiu os ensinamentos Dzogchen Desum a mestres como Décimo sexto Karmapa, Dudjom Rinpoche, e Dilgo Khyentse Rinpoche, bem como milhares de outros discípulos. Tulku Urgyen foi especialmente próximo do Karmapa —um de seus mestres raiz— e de Dilgo Khyentse Rinpoche, ambos os quais tinha um forte vínculo de respeito mútuo.
Tulku Urgyen é autor de vários livros em inglês, incluindo Repeating the Words of the Buddha e Rainbow Painting. Ele também supervisionou muitas traduções para o inglês de textos tibetanos e ensinamentos realizados pelos seus alunos ocidentais, e deu o nome de Rangjung Yeshe à editora, criada para fazer esses textos e outros do Dharma disponíveis no Ocidente. Ele ficou conhecido por sua profunda realização meditativa e pelo estilo conciso, lúcido e bem-humorado com que ele transmitia a essência dos ensinamentos. Usando poucas palavras, ele apontaria a natureza da mente, revelando uma simplicidade natural e despertar que permitiam o aluno realmente tocar o coração de sabedoria da mente de Buda. Neste método de instrução, ele era incomparável.
Ele faleceu pacificamente em Nagi Gompa em 1996. Sua linhagem é continuada por seus quatro filhos, hoje reconhecidos como importantes mestre budistas: Chökyi Nyima Rinpoche, TsikeyChokling Rinpoche, Tsoknyi Rinpoche, e Mingyur Rinpoche. O yangsi de Tulku Urgyen Rinpoche, chamado Urgyen Jigme Rabsel Dawa, nasceu em 2001, como o filho de Neten Chokling Rinpoche e foi descoberto em 2006 por Kyabje Trulshik Rinpoche, o ulimo líder da linhagem Nyingma. Blazing Splendor (Esplendor Resplancente) é um retrato íntimo da cultura do Antigo Tibete e de um homem notável que inspirou milhares. Um livro de memórias em forma de narrativas contadas por Rinpoche. No texto abaixo, você confere excertos do Capítulo 29, Encontros com um Professor Admirável, traduzidos pelo Padma Dorje.
Encontros com um Professor Admirável
Excertos do Capítulo 29 de Esplendor Resplancente (Blazing Splendor)
Tulku Urgyen Rinpoche | Tradução Padma Dorje
[Quando estava fazendo um retiro de três anos] convidei Kyungtrul Kargyam, um mestre precioso a quem considero um dos meus professores mais importantes. Kyungtrul tinha olhos vermelhos e saltados, e uma pele escura. Também era muito bondoso e gentil. Era um professor fantástico. Sinto-me grato de ter conhecido um mestre tão realizado – quem quer que o encontrasse ficava impressionado.
Durante sua educação, ele aprendia o que fosse como se fora sua própria natureza, e se torou extremamente erudito, especialmente em escrituras filosóficas. Eu sentia como se não houvesse pergunta que pudesse fazer para a qual ele não tivesse uma resposta profunda. Ninguém sabe como aprendeu tão rápido, mas aos treze anos de idade ele já havia concedido a transmissão oral do Kangyur [sutras mahayana e comentários clássicos] inteiro para uma grande assembleia. Todo mundo ali maravilhado com como esse garoto conseguia explicar as palavras do Buda de forma tão clara.
Já naquela época, se esperava que ele se tornasse um mestre extraordinário, e os dirigentes do mosteiro o tratavam de forma especial – quer dizer, até que na calada da noite ele fugiu para Derge, onde procurou Barwey Dorje, um mestre que havia sido discípulo de um grande terton. Ele tinha apenas dezesseis anos. Barwey Dorje o recebeu calorosamente, concedendo orientações, bem como instruções diretas. “Você é um ser sublime”, disse o mestre ao jovem aluno. “Não precisa viajar mais longe que Derge”. Então Barwey Dorje lhe deu uma lista dos mestres mais importantes a visitar, e Kyungtrul viajou a pé, vestido como um mendigo, e carregando apenas uma trouxa amarrada numa vara.
Em Palpung ele encontrou o grande erudito Tashi Ozer, de quem recebeu muitos ensinamentos. Ao partir, Tashi Ozer disse “Ele deve ser um tulku, vamos chamá-lo de Kyungtrul, o tulku de Kyungpo”, e o nome pegou.
Mais tarde Kyungtrul foi aos quatro principais mosteiros Nyingma em Kham, Shechen, Dzogchen, Katok e Palyul e conseguiu se encontrar com cada um dos grandes professores, inclusive o famoso Khenpo Ngachun. Ao retornar, ele passou de novo por Palpung, onde o grande Situ ficou tão impressionado que fez de Kyungtrul o mestre do centro de retiro por nove anos.
Durante esse período, Kyungtrul teve muitas visões e sonhos extraordinários, bem como sinais indicando que era um terton. Embora fosse capaz de compor, sem esforço algum, uma prática após a outra, ele não revelou esses termas e se recusou a colocá-los no papel até receber o selo de aprovação do Karmapa. Finalmente ele pediu permissão a Situ para voltar a sua terra natal, Nangchen. Ali ele não descansou, já que sentia uma forte necessidade de encontrar o Karmapa.
Anos mais tarde Kyungtrul me disse, “Somente o Karmapa podia decidir se meus tesouros da mente eram autênticos.
Somente ele pode verificar um terton, e dizer se as termas iriam mesmo ser benéficas. Eu podia ter escrito muito mais –, não há limite ao que pode brotar da expansão da base última.” A única terma que Kyungtrul havia escrito naquele momento era uma sadhana para as Três Raízes, que era extremamente bela. Mas antes de chegar a Tsurphu, o grande Karmapa havia deixado seu corpo – e assim ele nunca obteve a autorização.
[…]
Algumas vezes, [enquanto estava conosco,] ele dizia, “Preciso ir, quero ir para Pemako.”
Eu lhe pedia para que fosse mais tarde, pelo bem dos ensinamentos do Buda, e dos seres sencientes – e cada uma das vezes ele respondia: “Tudo bem, por mim não tem problema, no final das contas não faz diferença.”
E aí ele ficava mais um pouquinho. Certo dia ele repentinamente deixou seu corpo. Quando lembro esses tempos e o que se seguiu nos anos após sua morte, parece que ele tinha uma premonição clara do que iria acontecer no Tibete e em Kham, embora ele não mencionasse nenhum detalhe.
[…]
As pessoas muitas vezes vinham lhe pedir instruções sobre a natureza da mente. Um jovem meditador veio, e como é tradicional, relatou sua experiência.
Em algum momento Kyungtrul disse, “Parece-me que você deve simplesmente permitir que o espaço básico e sua consciência se misturem.”
“Muito bem, Rinpoche”, respondeu o jovem. “Mas que tamanho de espaço?” E Kyungtrul conseguiu ficar sério enquanto respondia, “Ah, sim, sim! Misture sua consciência com qualquer tamanho de espaço com que você se sinta confortável; sem problemas.”
O jovem, no entanto, era persistente: “Por favor, Rinpoche, me conceda a verdadeira instrução de meditação da essência da mente!”
“Ah, sim, ah sim.” Ele respondia, sem nenhum deboche. “Acho que eu mesmo ainda não recebi a instrução verdadeira.”
Se conseguia, no entanto, ver certo brilho jocoso e alegre em seus olhos.
…
Dzigar Kongtrul uma vez disse, “No que me diz respeito, não há uma diferença da espessura de um fio de cabelo entre
Kyungtrul e o Grande Marpa – com exceção, talvez, do fato de que Marpa era especialista em sânscrito. No que diz respeito ao discernimento sobre os tantras e instruções diretas, não acho que seria capaz de ter melhores ensinamentos mesmo se Marpa aparecesse em pessoa.”
“Sabemos que Marpa atingiu a iluminação, mas não há dúvida de que esse cara é também um ser realizado. Kyungtrul é um verdadeiro iogue secreto – mas o fato de que ele segue por aí se escondendo não muda nada. Seus poderes clarividentes são claros e precisos. No que me diz respeito, não há nenhum mestre melhor do que ele nessa parte do mundo.”
Isso não é pouca coisa, vindo de um professor do calibre de Dzigar Kongtrul. Seu poder de fala era incrível. Cada sentença que ele falava era como uma espada cortando a água, totalmente desimpedida – naquela região de Kham, em termos de debate, seja de Sutra ou Tantra, ninguém conseguia chegar a seu nível. Ele era também um especialista em provérbios e ditos populares, e quando os combinava com argumentos filosóficos, qualquer oponente ficava sem resposta. Era difícil encontrar um mestre tão erudito quanto ele. Ainda assim, ele compartilhou essas palavras de louvor extremo comigo, após o falecimento de Kyungtrul.
[…]
Durante nosso tempo juntos, Kyungtrul me contou muitas histórias que Tashi Ozer de Palpung, que havia sido aluno de três grandes mestres – Khyentse, Kongtrul e Patrul –, lhe havia contado. Esses três mestres eram colegas de aula no mosteiro Shechen.
Paltrul era do distrito de Golok, uma terra de nômades virtuosos. Sua família era ou pobre demais ou estava muito longe para poder oferecer apoio, e assim frequentemente ele ficava sem provimentos.
Khyentse, por outro lado, era relativamente abastado, uma vez que seu pai era um aristocrata de família rica e poderosa. A família de Kongtrul era próxima, e também próspera. Assim Patrul muitas vezes comia os restos dos pratos de seus amigos.
Depois das refeições, Patrul deitava, cobrindo sua cabeça com o manto monástico.
Quando Khyentse e Kongtrul diziam que ele devia estudar, em vez de ficar deitado, Patrul respondia: “Por que estudar? Um ser humano não é apenas alguém que pode ouvir e falar? Tudo que eu tenho que fazer é repetir o que o professor diz. Por que eu deveria me preocupar?”
Mas se se pedia a Patrul que explicasse o tópico do dia anterior, ele o repetia palavra por palavra, quase melhor que o próprio professor. Embora Kongtrul fosse o aluno mais diligente, e Khyentse parecesse o mais inteligente, Patrul era totalmente desobstaculizado.
[…]
Paltrul uma vez disse a Tashi Ozer, “Agora, meu filho, você deve se tornar um renunciante. Viva como uma criança das montanhas: vista o orvalho como robe, use apenas uma pele de ovelha como abrigo; caminhe a pé com uma bengala, e não ande mais a cavalo. Abandone todos os envolvimentos desse mundo e viva como Milarepa!”
Tashi Ozer concordou e abandonou todas as posses para viver como um mendigo errante. E foi assim que ele chegou em Dzongsar, onde o grande Khyentse morava. “O famoso erudito Tashi Ozer chegou”, “e parece que agora ele é discípulo de Patrul.”
“Coloque-o nos alojamentos dos monges.” Respondeu Khyentse.
Passou-se uma semana sem que nada acontecesse, e então Tashi Ozer pensou que talvez ele devesse tomar a iniciativa e ir ver o mestre; mas o atendente lhe disse apenas para que ficasse no quarto.
“Pergunto-me o que aconteceu”, ele pensou. “Toda vez que eu vi Khyentse Wangpo, ele sempre me tratou com honrarias especiais. O que eu terei feito que o desagradou? Não pode ser que ele esteja com inveja de mim, isso é impossível. Ele deve estar fazendo isso para purificar meu carma ruim e obscurecimentos.”
Embora ele mesmo fosse um grande lama ele, essas dúvidas perturbavam Tashi Ozer profundamente. Depois de um tempo ele se sentiu tão mal que começou a chorar. Mas logo em seguida lhe foi dito para ir aos aposentos de Khyentse. Quando ele entrou ele viu que havia um trono ao lado de Khyentse, e na mesa havia um conjunto completo de vestimentas monásticas.
“Hei você!” proclamou Khyentse. “No mosteiro de Palpung você recebeu o título de khenchen – grande erudito – uma grande honra. O que você estava pensando quando jogou isso tudo fora para vestir uma pele fedida de ovelha? Tire isso duma vez e coloque esses robes!”
“Por favor, não me force!” Tashi Ozer tentou objetar.
“Se você hesitar mais um segundo, vou deitar a vara em você!” Khyentse ameaçou.
Esse foi o último dia que ele vestiu a pele de ovelha.
[…]
Do Khyentse havia ido a Derge para se assegurar que Patrul se tornasse seu aluno. Ao chegar, ele imediatamente começou a circumambular o templo principal na direção oposta aos ponteiros do relógio, isto é, ao contrário de que todo mundo faz, inclusive Patrul. Ao circumambular na direção oposta, é certo que duas pessoas vão se encontrar.
No momento que os dois cruzaram o caminho, Do Khyentse gritou para Patrul, “Seu cachorro velho! Charlatão! Fraude!” E não só ele vituperiou Patrul, mas também o empurrou, e quando Patrul Tentou levantar, Do Khyentse o chutou de volta para o chão.
Repentinamente Patrul pensou que esse estranho talvez fosse Do Khyentse. Seu próximo pensamento foi “Esse mestre é o próprio heruka. Por que está me maltratando?”
E então naquele instante sua forma comum de perceber a realidade parou de funcionar completamente.
“É isso mesmo, Cachorro Velho!” Gritou Do Khyentse. “De agora em diante, para você, é isso mesmo!”
Patrul mais tarde disse a Tashi Ozer, “Foi ali que eu reconheci a natureza da mente em seu estado nu, sem nenhuma fixação e nenhum conceito. Naquele momento fui levado a encarar diretamente o estado desperto autêntico. E é por isso que agora uso ‘Cachorro Velho’ como meu nome secreto de iniciação, já que me foi concedido pelo grande mestre Do Khyentse.”
Isso é o que se pode chamar de instrução muito direta.
[…]
Uma vez um yogi de Nangchen chamado Angi Tendar – que não era apenas um praticante comum, mas tinha realização – foi ver Patrul.
“De onde você é?” perguntou Paltrul.
“Sou discípulo de Tsoknyi em Nangchen.”
“Bem, bem. Eu já ouvi sobre esse Tsoknyi de Nangchen, dizem que ele realizou a visão da Grande Perfeição. Não é ele que tem tanto apreço de ensinar de um jeito que, como disse Milarepa, “Se você praticar de manhã, torna-se um Buda pela manhã, e se praticar de noite, torna-se um Buda durante a noite? – e que pessoas com certos méritos se tornam budas até mesmo sem meditar?”
“Se esse é seu professor, me diga: quantos alunos dele atingiram o corpo de arco-íris?” implicou Patrul.
“Tinha um que teria atingido o corpo de arco-íris”, respondeu Tendar, “mas daí ele morreu por causa de uma infecção nos furúnculos”.
Não há no mundo nenhuma doença que impeça um praticante avançado de atingir o corpo de arco-íris, então, por uns instantes, Patrul ficou sem ter o que dizer.
E então ambos gargalharam.
A citação que Patrul usou veio da biografia de Milarepa. Antes de Milarepa encontrar Marpa, ele havia pedido instruções de um mestre Dzogchen.
“Você parece ser um praticante formidável; o mestre disse a Milarepa.” Portanto, eu lhe concederei meus ensinamentos Dzogchen, que produzem liberação ao ver, ouvir e lembrar. E ele disse as palavras que Patrul repetiu, sobre se tornar um buda na manhã ou na noite.
O sentido real dessa instrução é que não importan quando lembramos de reconhecer o estado desperto, aquele momento é em sua essência idêntico ao do Buda, seja manhã, seja noite. Mais do que isso, o reconhecimento do estado natural não é um ato de meditação; quem for capaz de treinar nisto, se diz que é capaz de se tornar buda sem meditar.
Isto é verdade para alguém que não só reconhece o estado desperto de forma autêntica, mas que também treina nele continuamente. É isso que se quer dizer por “pessoas com certos méritos”. (Antes disso Shechen Kongtrul também me deu a instrução: “Você aí, não medite, não medite!” querendo dizer que o estado desperto não é um ato de meditação.)
Infelizmente, o que Milarepa compreendeu do que o professor de Dzogchen disse é que ele era uma pessoa tão especial que não precisava nem mesmo treinar em meio à natureza da mente. Ele equivocou o sentido de simplicidade e passou uma semana descansando. No oitavo dia o mestre Dzogchen o chamou e pediu que Milarepa explicasse sua experiência presente e entendimento. “Que experiência e entendimento? Não tenho nenhuma. Você disse que alguém como eu não precisa praticar, então não pratiquei.”
“Ai ai ai!” exclamou o mestre. “Parece que lhe dei os ensinamentos mais elevados antes da hora! Não acho que eles vão te ajudar agora. Mas no valley Drowo, ao sul daqui, vive o grande tradutor Marpa, um iogue da nova transmissão do Vajrayana. Vocês tem uma conexão cármica, então vá atrás dele.”
No momento em que Milarepa ouviu o nome de Marpa, ele ficou profundamente emocionado, de forma que cada fio de cabelo em seu corpo se eriçou, e seus olhos se encheram de lágrimas. E esse era um sinal garantido de conexão cármica. Imeditamente Milarepa pediu licença para ir embora e encontrar Marpa.
[…]
Um dia Patrul disse a um aluno “Acabei de ouvir notícias muito ruins.”
“O que foi, Rinpoche?”
“Conheci uma formiga que me disse que Patrul vai morrer em breve: você sabe cantar a prática de transferência de consciência do Longchen Nyingthig?”
“Claro,” respondeu o aluno.
“Por favor, cante para mim, então.”
Ao fim da recitação, o discípulo pronunciou P’HAT três vezes. No terceiro P’HAT, Patrul abandonou seu corpo.
[…]
“A forma mais impressionante de morrer”, disse Kyungtrul, “é como Chokling de Neten.”
“Ele estava de volta de uma visita a Riwoche, e na estrada viu um pequeno eremitério nas colinas. Pediu para ser levado ali. No próximo dia, ele, sem alarde nenhum, sem falar nada para ninguém, deixou sua mente se dissolver no espaço básico de todos os fenômenos. Ao redor dele não se ouviu um só pio de choro ou lamento, e ninguém o incomodou pedindo que ficasse. Morreu numa atmosfera de completa tranquilidade. Quando se morre, é assim que se deve fazer. E vocês, meus discípulos, tentem deixar essa vida da mesma forma.”
E na manhã seguinte eles descobriram que o mestre deles havia falecido.
Naquela época eu não sabia, mas aqueles dias com Kyungtrul marcariam minha última estada prolongada em Nangchen. Logo depois disso, retornei ao Tibete Central para receber o Rinchen Terzo (Tesouraria de Termas Preciosos), e seguir cada vez mais servindo o Karmapa. E, logo eu descobriria, o Tibete como eu o conhecia logo mudaria para sempre.
Álbum de Família
A tradução do texto foi feita por Padma Dorje, praticante budista e autor de Filosofia: forma de vida & passarela de egos. Saiba mais sobre seu trabalho no site tzal.org.