Você já tem aquilo que está procurando Yongey Mingyur Rinpoche

Tradução: Claudia Roquette-Pinto. Publicado originalmente em Lions Roar

No 40º aniversário da Lion’s Roar, lançamos nosso olhar em direção ao Budismo, pelo espaço dos próximos 40 anos. Em nossa edição de Março de 2019, Yongey Mingyur Rinpoche compartilha conosco aquela que considera ser a mais útil mensagem que o Budismo pode nos oferecer para as décadas vindouras.

Quando penso na mensagem mais importante que os ensinamentos budistas podem nos oferecer para as décadas vindouras, naturalmente penso, em retrospecto, no exemplo do próprio Buda. Quando ainda era um jovem, o Buda compreendeu que sua vida privilegiada, embora cheia de prazeres e de todas as vantagens que seu status lhe oferecia, deixava-o sentindo-se incompleto. Nenhuma quantidade de poder ou de riqueza poderia levar a um contentamento duradouro. Como todos sabemos, o Buda por fim deixou seu palácio e partiu em busca do que estava lhe faltando.

Durante seis anos, o Buda procurou os grandes professores da sua época. Dedicou-se às suas filosofias e às suas sutis técnicas de meditação. E tornou-se um mestre nelas. Porém, ainda estava insatisfeito. Ainda precisava encontrar aquilo que estava buscando.

Eventualmente, determinado a meditar até achar a resposta, encontrou o caminho que levava até as margens do Rio Niranjan. Depois de seis longos anos vivendo na floresta, jejuando por longos períodos e meditando dia e noite, sentia-se vazio. Tinha procurado por tanto tempo, com tanto afinco, que suas opções haviam se esgotado. Então ele finalmente largou tudo.

E, naquele momento em que deixou tudo ir, o Buda descobriu tudo.

Ele tinha procurado a felicidade duradoura em todos os lugares. Tinha estudado cada filosofia, dominado cada técnica e forçado seu corpo e sua mente, levando-os até o limite máximo. Mas a única coisa que não havia lhe ocorrido era que não precisava procurar. Já tinha tudo aquilo que estivera procurando.

A chave para esta jornada é a apreciação.

E assim, o Buda finalmente se desprendeu de tudo e se permitiu repousar, provavelmente pela primeira vez em muitos anos. Então lembrou-se de um momento que tivera, quando menino, sentado debaixo de uma macieira. Ele não estava fazendo nada. Não estava indo a lugar nenhum. Nem, tampouco, esperando que uma experiência mais interessante acontecesse. Estava, simplesmente, sendo.

Nos dias e semanas que se seguiram, o quase-Buda descobriu sua própria natureza desperta – o que nós agora chamamos de “natureza búdica”. Ele sentia uma grande compaixão – e sempre a tivera. A consciência desperta atemporal e a vasta sabedoria já estavam ali. A paz e a serenidade profundas, que ele procurara desesperadamente, eram parte da sua natureza básica.

Penso que a mensagem que o Budismo tem a oferecer ao mundo, neste século tão problemático, é a compreensão do Buda de que todos nós possuímos essa natureza búdica.

De muitas maneiras, somos iguaizinhos ao Buda. Nós, também, nos vemos lutando desesperadamente para encontrar sentido em nossas vidas, para experimentar um pouco de paz, prazer, conforto e segurança. Nós, também, corremos atrás de experiências fugazes e depositamos nossa total confiança nestas experiências, na esperança que, algum dia, de algum modo, elas nos levarão à felicidade duradoura. Nós nos esforçamos muito para encontrar sucesso em atividades mundanas, que no fim parecem nunca valer a pena.

Muitos de nós, então, desistimos e nos voltamos para o caminho espiritual. Mas nos aproximamos dele com todo o esforço e toda a expectativa que o Buda tinha inicialmente. E supomos que nós somos o problema, que precisamos de uma ferramenta que conserte alguma falha básica em nossas mentes. E, então, vamos praticar usando a meditação para tentar consertar um momento presente perpetuamente imperfeito.

O Buda aprendeu que todo esse esforço, mesmo quando vem envolto num exótico pacote “espiritual”, fortalece nosso hábito enraizado de encarar o momento presente como um problema. E quando todo o nosso esforço e empenho se baseia nesta crença, podemos acabar ficando presos numa versão melhorada do samsara. Parecemos estar fazendo todas as coisas certas, mas nunca encontramos a saída do labirinto.

Todos nós conhecemos a sensação de estar procurando alguma coisa, aqui e acolá, e nunca a encontrando. É como beber água salgada. Traz alívio por um segundo, mas, no fim, nos deixa com uma sede ainda maior do que antes.

Um dos meus exemplos favoritos é a imagem do passarinho procurando pelo ninho. O passarinho pode voar para bem longe, em busca de alimento, mas ele sempre volta para casa. Enquanto não tiver encontrado seu caminho de volta ao ninho, vai continuar buscando e procurando. Mas, quando finalmente chega em casa, o passarinho não tem mais nenhuma dúvida. Ele sabe que ali é o seu lar.

Nós nos parecemos muito com este passarinho, tentando encontrar o lar. Sabemos que todos os prazeres da vida não vão nos levar à felicidade duradoura. Sabemos que nossa saúde física é frágil, e que nossos relacionamentos e trabalhos irão mudar. Mas ninguém está nos mostrando aonde fica o nosso lar. Tudo o que podemos fazer é tentar adivinhar, da melhor maneira possível, ou continuar procurando nos mesmos lugares, com a esperança de que iremos descobrir algo novo.

O Buda está nos dizendo aonde procurar. Ele está nos mostrando onde encontrar nosso lar verdadeiro, o lugar onde finalmente podemos repousar, com a confiança de que nossa busca terminou.

A chave para esta jornada é a apreciação.

Pode parecer que não há lugar para a apreciação, em um mundo com tantos desafios. Hoje em dia, somos lembrados a todo instante dos nosso problemas. A depressão e a ansiedade estão crescendo a cada dia, as mudanças climáticas provocam desastres ao redor do planeta e enormes mudanças nas sociedades estão trazendo à luz fatos que estiveram à sombra por muitas e muitas gerações.

Como é possível falar sobre apreciação quando somos confrontados com desafios tão imensos?

A apreciação não é pensamento positivo. Não é desejar que as coisas sejam melhores do que elas realmente são.  Apreciação é tomar um tempo para perceber aquilo que já está presente, aquilo que temos agora, neste exato momento. Esta capacidade nos dá a força interior que precisamos para trabalhar de um modo hábil com o nosso sofrimento e para nos manter conectados uns aos outros enquanto fazemos isso.

Existem inúmeras qualidades para as quais não nos damos crédito. Como o Buda descobriu, nossas mentes são naturalmente claras e conscientes. Nossos corações são naturalmente abertos e compassivos. Cada um de nós possui imensa sabedoria. Embora nem sempre a reconheçamos, esta natureza búdica está sempre conosco.

A cada dia, fazemos inúmeros gestos que expressam esta natureza búdica – pequenos atos de compaixão, momentos de visão interior e compreensão. Estas coisas são tão comuns que nem mesmo as percebemos.

Reconhecer estas qualidades é como descobrir um tesouro que estava enterrado bem debaixo dos nossos pés. O que descobrimos pode parecer novo e fresco, mas, na realidade, é a nossa descoberta que é nova, e não as qualidades em si mesmas.

Esta descoberta da nossa própria natureza búdica é a solução para os problemas que enfrentamos. Ela nos dá a confiança, a compaixão e a sabedoria para lidar com nossos próprios desafios e com o sofrimento do mundo, com uma mente clara e um coração aberto.

Quando tornamos a apreciação a base da nossa prática, cada momento se torna repleto de possibilidades.

SOBRE YONGEY MINGYUR RINPOCHE

Yongey Mingyur Rinpoche é um mestre de meditação das linhagens Kagyu e Nyingma do Budismo Tibetano. Ele é o professor responsável pela Comunidade Tergar de Meditação, uma rede global de grupos e centros de meditação.

 

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