Matthieu Ricard | Tradução Sandra Silva
Hoje em dia, fala-se cada vez mais e mais sobre “desenvolvimento pessoal”, uma expressão que é utilizada de forma muito vaga e adaptada a cada pretexto; tornou-se uma espécie de cesto de bugigangas, que não faz distinção entre uma fórmula de sete passos para atrair os outros e tornar-se feliz em uma semana, e textos que buscam fazer brilhar a luz interior, a fim de se tornarem seres humanos melhores. Estes textos são baseados em métodos enraizados, não nas últimas modas, mas em tradições de sabedoria praticadas durante milhares de anos por indivíduos que dedicaram a maior parte de suas vidas ao seu cultivo.
“Hoje, quando falamos de desenvolvimento pessoal, quase sempre o que é proposto são mudanças cosméticas que procuram mimar as nossas tendências narcisistas, em vez de erradicar as nossas falhas e dissipar o nevoeiro da nossa confusão mental.”
Dentro das tradições de sabedoria globais, quer tenham origens religiosas, espirituais ou humanísticas, a auto-transformação nada tem a ver com o agradar o ego ou a prossecução dos seus caprichos. Em vez disso, a auto-transformação deve ajudar-nos a tornar-nos gradualmente melhores seres humanos através do trabalho duro. Esta afirmação pode parecer pretensiosa no início, contudo a verdadeira meta da auto-transformação é erradicar a animosidade, o apego obsessivo, a falta de discernimento, a arrogância, o ciúme e outros venenos mentais, que perturbam a nossa vida e a dos outros. Não é uma tarefa fácil.
Portanto, isto não é nem um compromisso de curto prazo, nem uma abordagem auto-centrada, nem um meio de fuga, onde aprendemos a abraçar as nossas falhas e dispensar os esforços para as remedia-las. Acima de tudo, devemos nos perguntar quem se beneficiará deste “desenvolvimento pessoal”. Se é só a gente, então é um completo desperdício de tempo. A auto-transformação só é significativa se nos permitir, fundamentalmente, ser de maior serviço aos outros. Desenvolvimento pessoal sem bondade, é nada mais do que a construção de uma torre de marfim de egocentrismo. Meditação sem bondade-amorosa é equivalente a passar alguns momentos de silêncio na bolha do nosso próprio ego.
“A auto-transformação só é significativa se nos permitir, fundamentalmente, ser de maior serviço aos outros.”
A transformação pessoal deve nos ajudar a mudar da confusão para o conhecimento, da escravidão para a liberdade interior. Seu objetivo é realizar o bem-estar dos outros. Há um ensinamento budista que diz: “O que não é feito para o bem dos outros, não merece ser feito em primeiro lugar.” Não diga que não foi avisado!
Estes poucos pensamentos vieram até nós seguindo a publicação de (“Three Friends in Search of Wisdom”), o resultado de uma amizade mútua entre Christophe André, Alexandre Jollien, e eu. (Éditions Allary e L’iconoclaste.)
Matthieu Ricard, cresceu no meio intelectual de Paris e doutorou-se em genética molecular. Aos 38 anos passou a viver nos Himalaias para tornar-se monge budista; é autor do livro “Felicidade – A prática do Bem Estar”, ‘”A arte de meditar” e “A revolução do altruísmo” disponíveis em todas livrarias. Saiba mais sobre ele aqui.