O dia em que David Bowie quase se tornou um monge budista

Via Lions RoarUnited Nations For a Free Tibet

O ano era 1967. Chögyam Trungpa Rinpoche, que nos anos seguintes se mudaria para a América do Norte, estava no Monastério Samye Ling na Escócia. O budismo já estava se expandindo naquele lado do Atlântico, atraindo um nova geração de praticantes. Um deles era David Bowie, que havia começado a frequentar o Samye Ling por inspiração de seu amigo e colaborador, Tony Visconti, bem como de sua namorada na época, Hermione Farthingale.

“Eu estava à menos de um mês de ter minha cabeça raspada, e de tomar os votos para me tornar um monge.”, Bowie disse sobre esse período de sua vida. Mas, como a história conta, ele estava dividido e então procurou Trungpa para aconselha-lo. Sua resposta ao famoso jovem buscador? Que ele deveria continuar a ser um músico, pois desta forma ele poderia causar maior benefício.

O resto é história.

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David Bowie e Chögyam Trungpa Rinpoche.

Bowie e Tibete

David Bowie descobriu o budismo no início da adolescência, “Quando eu tinha uns dezenove anos eu me tornei budista do dia para noite.”, lembrou ele em 1997. “Nessa idade um livro muito influente para mim era um livro chamado “Sete Anos no Tibet”.  Heinrich Harrer, o autor do livro, foi um dos primeiros ocidentais a passar algum tempo no Tibete. A canção “Silly Boy Blue” foi inspirada pelas descrições de Harrer sobre Lhasa e o Palácio de Potala.

Embora alguns de seus colegas e amigos no final dos anos sessenta considerassem as inclinações budistas de Bowie algo passageiro, outros viram um lado mais diligente dele. O jornalista George Tremlett e sua ex-companheira Mary Finnigan atestaram que Bowie estava de fato se dedicando ao budismo, falando com eles por horas sobre o assunto.

Em 1966/67 a situação do Tibete fez com que ele declarasse publicamente seu posicionamento político, uma das poucas vezes em que isto ocorreu. Após uma década de “tolerância”, o governo chinês, agora no meio da Revolução Cultural, estava reprimindo o Tibete. O levante de 1959 havia sido ceifado por uma cruel repressão, em que possivelmente 80.000 tibetanos foram mortos, e as brutalidades continuaram nos anos sessenta. O Dalai Lama foi para o exílio, juntamente com uma série de outros lamas budista. Alguns destes últimos fizeram o seu caminho para a Sociedade Budista de Londres, onde se depararam com um adolescente ansioso de Bromley, com uma miríade de perguntas para eles (ouça “Karma Man”, sua canção de 1967 sobre um tibetano exilado perdido no parque de diversões do Ocidente).

Esculturas de manteiga de yak descritas em "Silly Boy Blue".
Esculturas de manteiga de yak descritas em “Silly Boy Blue”.

Monges tibetanos foram torturados e assassinados, mosteiros e lugares sagrados saqueados e queimados. Um amigo de Bowie lembra que nesta época ele estava revoltado com a situação tibetana e isso começou a aparecer em sua arte. Sua mímica “Jet-Sun and the Eagle” que ele realizou em 1968 e 1969, em parte representava um menino chinês sob o pé de comunistas chineses e sua canção “Wild-Eyed Boy from Freecloud” relatava um cenário em que um “garoto selvagem” traz a ira da antiga Natureza sobre uma aldeia de invasores terríveis, a letra era um murmúrio da morte. Um monge sangra na neve, observa o céu escurecer e faz uma última prece.

Hoje, a China detém um enorme controle sobre a economia mundial: a idéia de que concordem com um Tibete independente parece semelhante aos Estados Unidos concordando em dar de volta a Flórida para os índios Seminoles sobreviventes. Pior, “Free Tibet” se tornou um clichê, a causa política favorita do hipster afluente, uma causa que não exige de seus defensores nada mais que uma tarde agradável assistindo bandas alternativas e alguns dólares para comprar tapetes e amuletos. E isso menospreza o sangue derramado, negando aos tibetanos seu poder de ação: as revoltas de 2008, os protestos no final dos anos 80 ocorreram independente da onda hipster.

Bowie não era apenas um diletante. Após finalizar “Seven Years”, ele tornou-se mais envolvido, pública e privadamente, em causas tibetanas, tocando em benefício a Tibet House de Nova York e falando na imprensa sobre o assunto. Ele gravou uma versão de “Seven Years” em chinês mandarim, esperando, talvez, poder ser ouvido em Lhasa em algum lugar. Foi a última canção número #1 em Hong Kong, antes de ser controlada pela China, chegando no topo das paradas em Junho de 1997.

“Sete Anos no Tibet”, assim como muito do budismo tibetano de Bowie, era uma representação da cultura oriental filtrada através dos olhos do Ocidente: a letra (e a sensibilidade) inspirada por um livro de um nazista austríaco, que mais tarde tornou-se um filme estrelado por Brad Pitt. Ainda assim, o cerne da última canção tibetana de Bowie se manteve verdadeira ao budismo: que existe algo em nós que não pode ser destruído, algo que vai durar mais que as depredações dos conquistadores e degradações dos anunciantes.

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David Bowie (8 de Janeiro de 1947 – 10 de janeiro de 2016)

 

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