“O Livro Tibetano dos Mortos” como apropriação cultural Padma Dorje

“O Livro Tibetano dos Mortos” é o texto mais conhecido do budismo tibetano. Foi citado pelos Beatles na música Tomorrow Never Knows do revolucionário disco Revolver, e a tradução de sua primeira tradução ao inglês sempre foi facilmente encontrada em qualquer livraria no Brasil, desde os anos 1970.

Porém, não existe “livro tibetano dos mortos”. O texto a que se deu esse título não foi escrito com necessariamente os mortos em vista, nem é tibetano no sentido de ser aceito por toda a cultura tibetana – ou de ter, no escopo geral do budismo tibetano – toda essa relevância que a modernidade parece ter dado a ele. O que aconteceu então?

O que aconteceu foi a teosofia, um movimento europeu da segunda metade do séc. XIX, que competia com o espiritismo kardecista por espaço nas sessões místicas nas casas lúgubres da pequena burguesia em busca de encantamento. Aqui no Brasil, evidentemente o kardecismo ficou mais popular, embora os dois movimentos ainda existam.

Além da crença em espíritos, certo racismo embasado num entendimento rasteiro e incorreto do darwinismo que se popularizava na época – mas aplicado à espiritualidade (o tal materialismo espiritual das castas espirituais de graus de “evolução”) –, e o público alvo parecido, a teosofia e o kardecismo não eram tão semelhantes, eram até francas competidoras. A maior diferença é que a teosofia foi talvez a primeira a organização a levantar a bandeira do universalismo como foco principal. (O racismo, com os anos, parece ter “saído de moda” em ambas as tradições, mas estava lá no princípio.)

O universalismo é a ideia de que todas as religiões são “a mesma coisa” com estilos ou máscaras diferentes, ideia ainda hoje tão prezada pela mentalidade nova era e mesmo pelo senso comum. No entanto, o budismo, ao exemplo de outras religiões tradicionais, não vê bem assim. Ainda que se considere que as tradições religiosas tenham semelhanças, e seus benefícios específicos, isso não quer dizer que elas possam ser propriamente comparadas ou igualadas. Essa ideia é considerada um empobrecimento da diversidade espiritual.

A teosofia, porém, tinha efetivamente esse diferencial do universalismo perante o espiritismo. Embora o kardecismo pareça incluir ideias de carma, que possivelmente têm um cunho e origem hinduísta, ele explicitamente não era interessado no pensamento asiático – pelo contrário. A jogada do espiritismo era estar de acordo com a ciência oitocentista e o positivismo europeu, não com tradições não cristãs e ideais de multiculturalismo. Já a teosofia era basicamente uma grande mistura da tradição hermética ocidental com as várias tradições asiáticas, e, dentre elas muitas, o budismo tibetano – que foi basicamente apresentado ao ocidente e à modernidade justamente pela teosofia.

Porém, o rigor acadêmico ou de qualquer tipo não era o ponto da teosofia. O ponto dela era encontrar paralelos (ou, menos generosamente, forçar paralelos) entre os diversos pensamentos asiáticos (vedanta, taoísmo, budismo) e as próprias ideias ocultistas tradicionais europeias – e mais algumas novas inventadas por eles mesmos. Havia essa aparente abertura para o multiculturalismo como legado do iluminismo, com uma consequente valorização da sabedoria dos povos colonizados, mas ao mesmo tempo uma insidiosa colonização dessa própria sabedoria num formato processado para o gosto europeu não extremamente intelectualizado (para não dizer simplório), e quase que exclusivamente não acadêmico. (As distorções dentro da academia europeia quanto ao budismo também aconteciam por toda essa época, e seguem acontecendo, mas são outro tópico.)

O que chamamos hoje de “apropriação cultural” não é um fenômeno novo. Blavatsky marca o surgimento do “guru ocidental”.

É numa intersecção inusitada e propriamente pós-moderna entre os esforços da academia e das tradições herméticas europeias universalistas que surge o antropólogo estadunidense Evans-Wentz – o primeiro tradutor de literatura tibetana “esotérica”, o tal “livro dos mortos”. Os orientalistas europeus operavam por uma série de preconceitos próprios, mas nem sempre podemos culpá-los de carregarem aspirações de esoterismo de baixo calão ao estilo da teosofia – porém, no novo mundo, a mistura de academia com “jogo do copo” e mestres ascencionados não era, naquele momento, nem mesmo objeto de desconfiança.

Evans-Wentz, que se manteve teósofo até o fim da vida, ainda é lembrado com um seminário anual no departamento de religião comparada na respeitada Universidade de Stanford.

Como Evans-Wentz escolheu o texto que viria a chamar de “Livro Tibetano dos Mortos” para tradução? Será que, no início do séc. XX ele poderia ter acesso, como ocidental, aos vários grandes mosteiros e a conversas com vários grandes professores?

A resposta é simples quando se entende que os tibetanos eram tradicionalmente um povo fechado, e Evans-Wentz não sabia tibetano. Isto é, não.

Em vez de fazer uma pesquisa para descobrir qual o texto mais relevante para a tradução, em conjunto com grandes professores tibetanos – mesmo considerando a situação precária, de erudito desbravador numa comunidade claramente xenófoba, isso até era possível em certa medida – Evans-Wentz buscou apenas confirmar a premissa universalista da teosofia. Particularmente interessado na publicação célebre do “Livro Egípcio dos Mortos”, com a febre de egiptofilia europeia finalmente chegando a um fim, ele foi atrás de um paralelo tibetano.

Seu desejo era confirmar a tese universalista da teosofia, não descobrir ou apresentar o budismo tibetano como ele de fato era. Talvez, naquele momento histórico, isso ainda não era de fato possível a um ocidental. Mesmo décadas depois de seu trabalho pioneiro, isso ainda permaneceu muito difícil.

Como ele descobriu o tesouro de Karma Lingpa, que acabou recebendo essa conotação estranha e esse título “egípcio”?

Ele consultou um professor de inglês do Siquim, e que havia trabalhado com outros teósofos e acadêmicos “orientalistas”. Esse “lama” (nenhum tibetano que eu conheço demonstra devoção por ele) foi Kazi Dawa Samdup, que havia servido de tutor para os príncipes do Siquim, bem como de tradutor para o XIII Dalai Lama em sua visita à Índia.

É difícil saber qual era a real erudição de Samdup com relação ao budismo tibetano. Embora de etnia vagamente definida como tibetana e familiaridade linguística, como grande parte das pessoas no Siquim, ele não tivera formação monástica, e sua educação básica foi nos moldes indianos da época – não uma educação propriamente tradicional. Ele também recebeu alguns ensinamentos budistas em viagem pelo Butão.

Ainda assim, tanto o Siquim quanto o Butão, culturalmente vinculados ao budismo tibetano, são países que dependem da erudição que ocorreu e foi sustentada principalmente no Tibete. Mesmo caso ele tivesse recebido uma educação monástica completa no Siquim ou no Butão, ainda assim se poderia dizer que, intelectualmente, essa formação, naquela época, não seria de qualidade tão elevada quanto a que ele poderia obter nos maiores mosteiros tibetanos.

Em todo caso, ele não recebeu essa educação, e é fácil compreender que Samdup não era uma figura de grande conhecimento, em qualquer escopo que se possa comparar ao que se espera dos maiores professores. A maioria deles tem formação exaustiva ao longo de décadas em instituições de primeira qualidade.

Em parte podemos avaliar isso simplesmente pelo fato dele ser um professor de inglês. Como já dito, a cultura tibetana não era exatamente aberta a estrangeiros, e o interesse por coisas estrangeiras, particularmente de estrangeiros “bárbaros” (isto é, desprovidos de darma), era coisa para “gente menos importante”. Isso só vai mudar com o XIV Dalai Lama e o processo que culmina na invasão do Tibete e na subsequente diáspora – em poucos anos a sobrevivência da cultura tibetana passa a depender em grande medida da boa vontade de estrangeiros, e a abertura finalmente começa. Samdup talvez fosse o melhor que se podia ter no início do séc. XX, e ainda assim, era profundamente insuficiente para o trabalho em questão.

Mas aqui podemos também fazer um mea culpa, uma vez que não foi só a teosofia que causou essa distorção, mas também a tradicional xenofobia – e o racismo – dos próprios tibetanos. Quando Evans-Wentz fez esse trabalho, ele não tinha como encontrar alguém melhor do que Kazi Dawa Samdup para trabalhar com ele. Precisamos ter essa perspectiva, e entender o quão necessariamente falha foi essa tentativa pioneira de apresentar um texto tibetano para uma plateia moderna. (Falha no sentido de precisão e de preservação do ensinamento budista tradicional – certamente nada falha do ponto de vista da popularidade.)

Temos então de um lado um erudito com um viés teosófico universalista, e do outro um professor de inglês com conhecimento bastante parcial do budismo. O resultado é um livro, que, a começar pelo título, ainda rende muita mistificação e distorção do ensinamento do budismo tibetano.

Foi buscando um paralelo com o texto egípcio que o texto tibetano foi escolhido. O texto foi decidido provavelmente em conjunto com esse lama. “Liberação por meio da audição no estado intermediário” é o título literal, e não implica necessariamente o momento da morte – que é um dos estados intermediários, outro deles a consciência do cotidiano, outro o estado de sonho. Os tibetanos fazem todo tipo de prática e leem todo tipo de texto como boa interdependência em suas práticas fúnebres – na verdade eles contratam monges para fazer essa leitura, e os monges leem o que quer que o morto tivesse conexão, ou o que eles mesmos acham relevante.

O texto de Karma Lingpa não era de longe o mais popular: era apenas um entre tantos de uma vasta literatura que, repetidas vezes, descrevia, entre outras coisas, os processos de morte.

Mas o que era esse texto mesmo?

Karma Linga foi um dos grandes 100 grandes tertons. Tertons, reveladores de “tesouros espirituais”, de forma geral, são professores da tradição nyingma. Curiosamente, a teosofia até hoje publica textos em que a tradição nyingma é vilipendiada em detrimento da tradição gelug. Há um sectarismo próprio criado pela interpretação francamente absurda da teosofia com relação à tradição polêmica tibetana – que vem de tensões que os tibetanos modernos em grande medida já superaram, e cujas sutilezas os teósofos, a bem da verdade, nunca chegaram a entender bem. Porém, nesse caso particular, Evans-Wentz trabalha com um texto vinculado à nyingma.

Nyingma quer dizer “antiga tradução”, e se refere ao fato de que as outras grandes tradições do Tibete usam como base tantras diferentes em traduções mais recentes. Nyingma é a tradição budista mais antiga do Tibete, embora esse nome só tenha surgido em relação ao surgimento das novas tradições, e na paulatina codificação de um entendimento próprio ao longo de quase dez séculos, com vários momentos de florescimento e degeneração vinculados a esse nome.

A tradição com maior poder político e econômico nos últimos 500 anos foi a gelug, de onde vem o Dalai Lama – que não é sectário e também tem afinidade com todas as outras tradições tibetanas, em particular a nyingma.

Cada um dos 100 grandes tertons da nyingma revelou uma quantidade imensa de texto na forma de “tesouros”. O gênero do tesouro é uma forma de validar e renovar a tradição a partir do surgimento de textos “apropriados para um momento ou lugar”. Em vez de serem “autores” do texto, os reveladores de tesouro encontram esses ensinamentos em sua conexão com um mestre do passado, ou na própria mente de iluminação, o “lembrando” de algum estado mental atemporal, ou do passado distante de suas muitas vidas. Algumas vezes esses textos são encontrados em formato físico, enterrados em formações geológicas, outras vezes são “lidos no céu”, e algumas vezes surgem na mente dos professores. Esses textos são então verificados por muitos outros grandes professores, e, caso passem um rigoroso teste de autenticidade, são enfim acrescentados ao cânone. (Este processo é necessário porque há historicamente muitos tesouros falsos, e muitos charlatões que aspiram o prestigioso posto de revelador de tesouros.)

O cânone tibetano possui traduções de sutras (diálogos com o Buda) e shastras (comentários) do sânscrito, ligados ao grande veículo, o mahayana. Também possui uma enorme literatura preservada em tradução ligada aos tantras budistas, do veículo do vajra ou diamante, o vajrayana. Além disso, possui uma vasta tradição comentarial própria dos tibetanos, em vários gêneros (livros-texto peculiares a um mosteiro, autocomentários, comentários estruturais, comentários palavra a palavra, resumos, etc.), e a copiosa literatura de tesouros, também em vários gêneros (“instruções diretas”, comentários de vários tipos e explicações minuciosas, orações, hagiografias, historiografias, poesia espiritual, roteiros de meditação, sadhanas, etc.). Cada um desses corpos contém centenas ou milhares de textos de vários tamanhos, com os primeiros sendo mais comuns a todas as tradições (com algumas mudanças de tradução) e os últimos bastante próprios a certos mosteiros, localidades ou áreas de influência.

Fora a tradição nyingma, as outras três ou cinco grandes outras tradições tibetanas (todas elas com dezenas de subdivisões) geralmente não possuem uma tradição de tesouros, ou, quando raramente a possuem, a tem em muito menor medida. Dentre as revelações dos 100 grandes tertons específicos da tradição nyingma, e de milhares de outros menores, há centenas, talvez milhares de textos, que lidam com explicações e práticas para o momento da morte.

Alguns textos são bastante restritos, e são mantidos em linhagens muito pequenas, outros são bastante populares e encontram várias edições comparadas, e tradições extensivas de comentários cheios de polêmicas e disputas.

Entre os tesouros que ficam bastante populares, alguns são novamente esquecidos com o tempo. As linhagens se perdem, os textos ficam na prateleira, ou são também perdidos. Outros são “redescobertos”, e encontram dois ou mais períodos de vitalidade e esquecimento.

Na visão tibetana, o fato do texto de Karma Lingpa ter sido elevado, mesmo em uma forma distorcida, para uma audiência mundial, é prova de uma interdependência auspiciosa muito forte. Mesmo considerando as tantas distorções que se encontram na primeira tradução, muitas pessoas se voltaram para o budismo devido a essa conexão. Na visão budista isso não ocorre “por acaso”, mas pela reunião de mérito com as aspirações dos seres.

O tesouro de Karma Lingpa efetivamente não era o mais popular (e segue não sendo), mas tampouco era algo propriamente esquecido. Porém hoje é difícil avaliar o quanto ele era importante no escopo geral do budismo tibetano – as tradições não têm um registro das pessoas que se interessavam em estudar e praticar certo ciclo de tesouros. Provavelmente ele era bem pouco importante, ou talvez importante em algumas poucas regiões centradas na língua tibetana, embora fosse provavelmente preservado no cânone mais completo dos ensinamentos de tesouros na maioria dos mosteiros nyingma.

Na verdade, com a invasão Chinesa e a destruição de tantas bibliotecas, fica difícil dizer.

O ciclo principal de Karma Lingpa que contém esse texto, o Zabcho Zhitro Gongpa Rangdrol (zab chos zhi khro dgongs pa rang grol, “O profundo darma da mente de sabedoria autoliberada – as deidades pacíficas e iradas”) parece efetivamente ter sido importante no Butão, onde, como já afirmado, Kazi Dawa Samdub recebeu parte de sua educação budista. No Butão esse texto curiosamente influenciou bastante o sistema legal de punição civil e criminal, embora se era mesmo usado no cotidiano como base para ensinamentos e liturgias (de morte ou de outro tipo) não seja tão fácil estabelecer.

É só quando os professores tibetanos começaram a aprender línguas europeias que os textos cruciais do cânone começam a se destacar – e isso só ocorre propriamente na década de 1990. É só aí que começamos a nos situar com relação a respectiva relevância de cada texto dentro do escopo vasto da literatura tibetana. Hoje sabemos alguma coisa da popularidade de certos tertons e escritos, tanto no século XIX, quanto no séc. XX e na modernidade pós-diáspora.

Porém, depois dessa desajeitada e imprecisa introdução do texto ao mundo moderno, ele efetivamente passa a ser o principal representante do cânone tibetano para o mundo atual. Com base nesse fato, todas as pessoas associam o budismo tibetano a principalmente duas coisas: o Dalai Lama e esse texto. Muitas vezes elas não entendem essa história recente de colonialismo e apropriação cultural, e absolutamente desconhecem as grandes confusões produzidas pelas distorções causadas por viés e profundo desconhecimento dos tradutores que primeiro desbravaram o vastíssimo corpus textual budista.

Quando os professores tibetanos chegam ao ocidente, eles vez após vez começam a ter que lidar com a fama dessa publicação, e com as muitas distorções estabelecidas pelos primeiros eruditos que se referiram ao budismo tibetano. Esse trabalho claramente segue até hoje.

Muitos tibetanos provavelmente conheceram esse texto pela primeira vez no contato com a tradução em inglês. Com certeza fora das linhagens kagyu e nyingma, mas também até mesmo nelas.

Esse não foi o caso de Trungpa Rinpoche. Por acaso, Karma Lingpa havia ensinado, no séc. XIV, em Surmang, o mosteiro que séculos depois também educou Trungpa. Karma Lingpa era um professor nyingma que por acaso tinha a maioria dos alunos da tradição kagyu. Trungpa Rinpoche partilhava da mesma mistura de kagyu com nyingma em seus ensinamentos.

Além disso, Trungpa Rinpoche foi educado em religião comparada e psicologia pela Universidade de Oxford, e conhecia bem os teósofos e inclusive manteve diálogos com seu “mahatma” rebelde e niilista, Krishnamurti. Ele foi a primeira pessoa a tentar consertar o texto e preservar a perspectiva budista, evitando o viés colonialista e tentando tornar o livro inteligível para uma audiência moderna sem perder precisão. Uma tradução “vingativa” por Trungpa e Francesca Freemantle chega enfim às livrarias estadunidenses pela Editora Shambhala, em 1976.

Aqui no Brasil a tradução de Evans-Wentz é primeiro publicada em 1960, com reedições frequentes a partir dos anos 1980. Por aqui, com 30 ou 40 anos de atraso frente à Europa e dos EUA, é também o teósofo trapalhão Evans-Wentz que acaba apresentando o budismo tibetano para os brasileiros.

Depois de Trungpa, vários outros professores tibetanos também se aventuraram a fazer versões do livro, e a primeira versão completa do texto de Karma Lingpa é do principal intérprete de Sua Santidade o Dalai Lama, Thubten Jinpa, uma pessoa de erudição extraordinária e que sem dúvida fez um trabalho cuidadoso e, se não definitivo, que podemos aclamar como “preciso”. Esse livro saiu em inglês em 2006.

Caso a pessoa se sinta compelida a saber do que se trata o texto escolhido por Evans-Wentz para apresentar o budismo tibetano à modernidade, é a essa versão de Thubten Jinpa, Gyurme Dorje e Graham Coleman, disponível em tradução para o português pela Martins Fontes, que ela deve se referir. O Livro Tibetano dos Mortos de Francesca Freemantle também existe em português, pela Rocco – e Trungpa Rinpoche e seus alunos sempre têm uma forma sofisticada e moderna – e não menos precisa – de apresentar os ensinamentos budistas. (Infelizmente não tive acesso a nenhuma das duas traduções ao português para saber se são de qualidade – já a versão de Evans-Wentz não é marcadamente pior em português do que o original).

Porém, caso a pessoa deseje conhecer o budismo tibetano, há muitos outros textos melhores a que se dirigir. Caso ela queira fazer um estudo ligado a uma tradição de tesouro revelado, o melhor é receber a iniciação de um lama qualificado – e isso é possível hoje em muitas cidades no Brasil, ou com uma curta viagem para participar de um retiro de alguns dias.

Caso no entanto ela apenas queira entender o que é o budismo tibetano, ela pode ler textos modernos de apresentação de vários autores como o próprio Dalai Lama, Trungpa Rinpoche, Dzongsar Khyentse Rinpoche e tantos outros consagrados.

E caso ela deseje ter acesso a um texto clássico, ela pode buscar O Caminho do Bodisatva ou As Palavras do Meu Professor Perfeito, ambos da editora Makara. Ambos bem mais razoáveis do que o texto profundo e difícil de Karma Lingpa – e também podemos dizer sem grande medo, bem mais relevantes para a maioria das pessoas.

É claro, ela pode conservar os livros de Evans-Wentz na prateleira, em sinal de respeito – já ler talvez seja demais, com versões tão melhores disponíveis! –, e sempre acender uma lamparina para tão desajeitado desbravador. Duas ou três vidas depois de sua existência como Evans-Wentz, é possível que aquele seu colega de prática na sangha que faz muitas perguntas seja um renascimento dele, com muito mérito ainda tentando entender o que é o budismo tibetano.

eduardo-pinheiro-1Padma Dorje é praticante budista e autor de Filosofia: forma de vida & passarela de egos.  Saiba mais sobre seu trabalho no site tzal.org.

Comentarios:

comments

  • Joao Paulo Silva de Lima

    Agora eu entendi porque nessa primeira versão tinham tantas coisas de hinduístas, coisas da psicanálise e etc. Coisa que eu não encontrei na versão feita pelo intérprete de Sua Santidade.

  • Ormando MN

    Posso colocar o nome “Vajra Gandharvas” no cd da minha banda, ou é apropriação cultural?
    E se eu quiser fazer um site, posso botar o nome de “Sangchen Rolpa”?
    E que tal o nome “Dharmakaya Luminoso” para um canal do youtube?
    Dá umas dicas, você tem experiência nesta área 🙂

    PS: Seguem alguns versos que compus inspirado no seu texto:
    “Please Tibetans don’t be xenophobics
    Evans-Wentz want to learn
    How to die and to rebirth”
    Vai ser a última música do lado A de “Vajra Gandharvas” ;D