“Amor” romântico, amor genuíno e as relações: Jetsuma Tenzin Palmo, Matthieu Ricard e Dzongsar Khyentse Rinpoche falam sobre.

“O apego é exatamente o oposto do amor. O amor diz: quero que sejas feliz. O apego diz: quero que me faças feliz.”  — Jetsuma Tenzin Palmo

O pessoal do Lugar entrevistou a Jetsuma Tenzin Palmo, e o resultado foi este incrível vídeo de quatro minutos. ”São apenas 4 minutos de vídeo. Fala simples, repetida há séculos. Mas é incrível como a gente ainda não entendeu! Se você também bate cabeça nos relacionamentos e lembra agora de pessoas envoltas de ciúme, controle, carência, apego e desentendimento, por favor ouça essa mulher com atenção.”  

O vídeo esta legendado, caso a legenda não apareça você precisa ativa-la. Abaixo do vídeo, adicionamos uma fala de Matthieu Ricard, trecho do livro “Felicidade – A prática do Bem Estar” e também um ensinamento de Dzongsar Khyentse Rinpoche onde ele fala sobre relacionamentos amorosos de uma maneira bem diferente! 

“Sabe, o apego é como segurar com bastante força. Mas o amor genuíno é como segurar com muita gentileza, nutrindo, mas deixando que as coisas fluam. Não é ficar preso com força. Porém é muito difícil para as pessoas entenderem isso, porque elas pensam que quanto mais elas se agarram a alguém, mais isso demonstra que elas se importam com o outro.”

“Qualquer tipo de relacionamento no qual imaginamos que poderemos ser preenchidos pelo outro será certamente muito complicado.” — Jetsuma Tenzin Palmo

A paixão apegosa 

A paixão apegosa é o oposto de amor, surge de um egocentrismo que acarinha a si mesmo no outro, ou pior, busca construir a própria felicidade as expensas do outro. Esse tipo de sentimento só quer se apropriar das pessoas, objetos e situações que o atraem para ter controle. Considera a atração como uma característica inerente a pessoa, cujas qualidades amplia e subestima os defeitos.

A paixão romântica é o maior exemplo de cegueira. O dicionario  define ”Um amor poderoso, exclusivo e obsessivo. Afetividade      violenta que atrapalha o julgamento.” Ela é alimentada pelo exagero  e pela ilusão e insiste em que as coisas sejam outras, diferentes de como realmente são. Como uma miragem, o objeto idealizado é insaciável e fundamentalmente frustrante.

“A atração sexual não é patológica, mas também não é uma emoção. É a expressao normal de um desejo, como a fome e a sede.”. Mesmo assim faz surgir as mais poderosas emoções porque sua força deriva dos 5 sentidos: visão  tato, audicao, paladar e olfato. Na ausência de liberdade interior, qualquer experiencia desse tipo gera apego e cria um redemoinho: não damos atenção, pensamos que podemos nadar ali sem problemas, mas quando o turbilhão acelera e fica mais profundo, somos sugados para dentro dele sem nenhuma esperança de resgate. Já a pessoa que consegue manter uma perfeita liberdade interior experimenta todas sensações na simplicidade do momento presente, com o deleite de uma mente livre de apegos e expectativas.

O amor verdadeiro é aquele que é livre de apegos, ser desapegado não significa amar menos e sim não estar centrado no amor por nós mesmos nos escondendo no amor que dizemos sentir pelo outro. O amor real é a alegria de compartilhar da vida daqueles que estão a nossa volta, seja eles seus amigos, familiares, esposa ou marido. 

Do desejo à obsessão 

O desejo obsessivo que costuma acompanhar o amor apaixonado deturpa a afeição, a ternura e a alegria de apreciar e compartilhar a vida com alguém. Ele é o oposto do amor altruísta. Surge de um egocentrismo doentio que acarinha a si mesmo no outro ou, ainda pior, busca construir a própria felicidade às expensas do outro. Esse tipo de desejo só quer se apropriar das pessoas, dos objetos e das situações que o atraem para ter controle. Considera a atração como uma característica inerente àquela pessoa, cujas qualidades ele amplia, enquanto subestima os defeitos. “O desejo embeleza os objetos sobre os quais pousa as suas asas de fogo” , ressaltou Anatole France.

O desejo obsessivo é reflexo da intensidade e da frequência das imagens mentais que o desencadeiam. Como um disco riscado, fica repetindo o mesmo leitmotiv. É uma polarização do universo mental, uma perda de fluidez, que prejudica a liberdade interior. Alain escreveu: “Este amante desprezado, que se contorce sobre a cama em vez de dormir e que medita sobre vinganças terríveis. O que sobraria da sua ferida se ele não pensasse mais sobre o passado e sobre o futuro? Este ambicioso, ferido no coração por um fracasso, onde procurará ele sua dor, senão em um passado que ressuscita e em um futuro que inventa?” 

Essas obsessões tornam-se muito dolorosas quando não são atendidas e vão ficando cada vez mais fortes quando o são. O universo da obsessão é um mundo onde a urgência se vincula à impotência. Somos pegos por uma engrenagem de tendências e pulsões que conferem à obsessão um caráter lancinante. Outra de suas características é a insatisfação fundamental que ela suscita. Ela não conhece a alegria e muito menos a plenitude ou a realização. Não poderia ser de outra maneira, já que aquele que é vítima da obsessão insiste em buscar alívio exatamente naquelas situações que são as causas do seu tormento. O dependente de drogas reforça a sua dependência, o alcoólatra bebe até chegar ao delírio, o amante desprezado olha para a foto da sua amada o dia todo. A obsessão gera um estado de sofrimento crônico e de ansiedade, aos quais se somam, por sua vez, o desejo e a repulsa, a insaciabilidade e a exaustão. Na verdade, ela é um adendo às causas do sofrimento.

Estudos indicam que diferentes regiões do cérebro e diferentes circuitos neurais estão em ação quando “queremos” alguma coisa e quando “gostamos” dela. Isso nos ajuda a compreender pelo qual, quando nos acostumamos a sentir certos desejos, tornamo-nos dependentes deles – continuamos a sentir a necessidade de satisfazê-los mesmo quando já não gostamos do sentimento que provocam. Chegamos ao ponto de desejar sem gostar, desejar sem amar.  No entanto, podemos querer ser livres da obsessão, que machuca porque nos compele a desejar aquilo que não nos agrada mais. Podemos, também, amar alguma coisa ou alguém sem necessidade desejá-los.

“Nos ciúmes existe mais amor-próprio do que verdadeiro amor.” — Rochefoucauld

Pesquisadores implantaram, em determinada região do cérebro de ratos, eletrodos que produziam sensações de prazer quando estimulados. Os ratos descobriram que podiam aumentar a intensidade do prazer ao apoiar os eletrodos em uma barra. A sensação de prazer era tão intensa que eles logo abandonaram todas as outras atividades, inclusive a alimentação e o sexo. A busca dessa sensação transformou-se em uma sede insaciável, uma necessidade incontrolável, e os ratos pressionaram a barra até caírem mortos de exaustão.

“Quando pensamos em nós mesmos como possuidores de pessoas, o desejo de controlá-los e os consequentes sentimentos de traição podem ser especialmente fortes. Nós tendemos a vigia-los cuidadosamente o tempo todo para ver o que eles estão fazendo ou podem estar fazendo. Esta vigilância nascida da ansiedade cria muita tensão. Se pensarmos que possuímos alguém, se “temos” eles, nós botamos um “nós” e “eles”. Isso por si só é uma fonte de separação. Nós realmente criamos um abismo entre o possuidor e o possuído . Quanto mais sentimos separação entre nós e eles, mais vamos tentar controlá-los. Tornamo-nos mais preocupados com a nossa capacidade de segurarmos eles do que com apreciar o nosso contato com eles.” — Sharon Salzberg

Desejo, Amor e Apego 

Como distinguir entre o amor verdadeiro e o apego  possessivo? O amor altruísta pode ser comparado ao som  puro que vem de um copo de cristal, e o apego ao dedo que,  ao tocar a beira do copo, abafa esse som. Reconhecemos  desde o princípio que a ideia de uma mor desprovido de apego  é relativamente estranha à sensibilidade ocidental. Ser  desapegado não significa que amamos menos a pessoa, mas  que não estamos centrados no amor por nós mesmos nos  escondendo no amor que dizemos sentir pelo outro. O amor  altruísta é a alegria de compartilhar da vida daqueles que  estão à nossa volta – os nosso familiares, os nossos amigos, os  nossos companheiros, a nossa esposa ou o nosso marido – e contribuir para a felicidade deles. Amamos o outro por aquilo que ele é e não através da lente distorcida do egocentrismo. Em vez de ficarmos apegados ao outro, temos que ter em mente a felicidade dele; em vez de esperar que ele nos traga alguma gratificação, podemos receber o seu amor recíproco com alegria.

E depois podemos ir ampliando e estendendo esse amor. É preciso ser capaz de amar todas as pessoas incondicionalmente. Amar um inimigo – isso é pedir demais? Esse empreendimento pode parecer impossível, mas baseia-se em uma observação muito simples: a de que todos os seres, sem exceção, querem evitar o sofrimento e conhecer a felicidade. O amor altruísta genuíno é o desejo de que isso possa se realizar. Se o amor que oferecemos depende do modo como somos tratados, nunca seremos capazes de amar o nosso inimigo. No entanto, é certamente possível ter a esperança de que ele pare de sofrer e seja feliz!

Como conciliar esse amor incondicional e imparcial com o fato de que temos na nossa existência relações preferenciais com certas pessoas? Tomemos o sol como exemplo. Ele brilha para todos, com o mesmo calor e a mesma claridade, em todas as direções. Mas há seres que, por diversas razões, se encontram mais perto dele e que, por isso, recebem mais calor. Mas em nenhum momento essa situação privilegiada é uma exclusão. Apesar das limitações inerentes a qualquer metáfora, compreendemos que é possível gerar em si mesmo uma bondade a partir da qual chegamos a olhar para todos os seres como se fossem pais, mães, irmãos, irmãs ou filhos. No Nepal, por exemplo, chamamos qualquer mulher mais velha do que nós de “grande irmã”, e a mulher mais nova, de “pequena irmã”. Essa bondade aberta, altruísta e atenciosa, longe de diminuir o amor que sentimos por aqueles que nos são mais próximos, só o faz aumentar, aprofundar-se e ficar ainda mais belo.

É claro que temos que ser realistas – concretamente é impossível manifestar da mesma maneira a nossa afeição e o nosso amor por todos os seres vivos. É normal que os efeitos do nosso amor envolvam mais determinadas pessoas do que outras. No entanto, não há razão para que uma relação especial que temos com um amigo ou um companheiro limite o amor e a compaixão que sentimos por todas as pessoas. A essa limitação, quando surge, damos o nome de apego. O apego é nocivo na medida em que, sem propósito algum, restringe o campo de ação do amor altruísta. É como se o sol deixasse de brilhar em todas as direções e se reduzisse a um estreito feixe de luz. O apego é fonte de sofrimento porque o amor egoísta se bate contra as barreiras que ele mesmo levantou. A verdade é que o desejo possessivo e exclusivista, a obsessão e o ciúme só têm sentido no universo fechado do apego. O amor altruísta é a mais expressão da natureza humana, quando essa natureza não é viciada, obscurecida e distorcida pelas manipulações do ego. O amor altruísta abre uma porta interior que torna inoperante o sentimento de importância de si mesmo e, portanto, também o medo desaparece. Ele nos permite dar alegremente e receber com gratidão.

Trecho do livro “Felicidade – A prática do Bem Estar”

No vídeo abaixo Dzongsar Khyentse Rinpoche fala sobre relacionamentos amorosos de uma maneira que você provavelmente nunca viu, não vamos citar nenhum trecho por escrito pois para um vídeo tão incrível, não cabe resumo, assista abaixo:

Mais sobre os autores:

Matthieu Ricard,  cresceu no meio intelectual de Paris e doutorou-se em genética molecular. Aos 38 anos passou a viver nos Himalaias para tornar-se monge budista, é autor do livro ‘Felicidade – A prática do Bem Estar’ e ‘A arte da meditação’, disponíveis em todas livrarias. Saiba mais sobre ele.

Jetsuma Tenzin Palmo, da linhagem Drukpa, foi educada em Londres, tornando-se budista durante a adolescência. Saiba mais aqui sobre ela. Em maio, ela esteve no Brasil para um retiro, você pode conferir aqui o retiro na integra. O primeiro livro de Jetsunma Tenzin Palmo em português foi lançado a pouco tempo no Brasil pela Lúcida Letra. Trata-se de um verdeiro presente e oportunidade ter uma obra destas em português.

Dzongsar Khyentse Rinpoche nasceu no Butão, em 1961, e foi reconhecido como a principal encarnação de Dzongsar Khyentse (1894-1959). Desde a primeira infância, ele estudou com alguns dos maiores mestres do seu tempo, particularmente S.S. Dilgo Khyentse Rinpoche. Saiba mais sobre ele aqui. É autor do livro ‘O que faz você ser budista?’ disponível em todas livrarias.

O vídeo de Tenzin Palmo foi gravado pelo pessoal do Lugar, que é um espaço de transformação, onde cada pessoa é desafiada a se familiarizar com seu mundo interno e investigar diretamente, colocando à prova da experiência, algumas das questões que mais importam: o que é felicidade genuína e florescimento humano? Quais suas causas e como podemos cultivá-las? Como a gente se transforma, pra valer, sem oba-oba, com o pé no chão do cotidiano? Para saber mais sobre o trabalho deles acesse aqui e para ler o artigo no PdH, clique aqui pois vale muito conferir os comentários lá no site!

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