O RIO DAS EMOÇÕES, trecho do livro ”Felicidade – A prática do Bem Estar” de Matthieu Ricard.
Se as paixões são os grandes dramas da mente, as emoções são os seus atores. Durante toda nossa vida, atravessando nosso espírito como um rio tumultuado, elas determinam incontáveis estados de felicidade e infelicidade. É desejável domar esse rio, acalmá-lo? É possível fazê-lo? Se sim, como? Certas emoções nos fazem desabrochar, enquanto outras sabotam o nosso bem-estar. Há, ainda, aquelas que nos fazem definhar.
Lembremo-nos do termo eudamonia, uma das palavras gregas para “felicidade”, que significa floração, desabrochar, realização, graça. O amor dirigido para o bem-estar dos outros, a compaixão voltada para os seus sofrimentos, em atos e pensamentos, são exemplos de emoções que nos alimentam e que favorecem a irradiação da felicidade. Um desejo obsessivo, a avidez aferrada ao objeto de seu apego, bem como o ódio, são exemplos de emoções aflitivas que nos esgotam. Como desenvolver emoções construtivas e libertar-nos das destrutivas?
Apesar da rica terminologia de que dispõe, para descrever uma ampla gama de eventos mentais, as linguagens tradicionais do budismo não têm uma palavra para designar a emoção em si mesma. A causa disso, talvez, seja que, segundo o budismo, todos os tipos de atividade mental, inclusive o pensamento acional, estão ligados a uma sensação relevante de prazer, de dor ou de diferença. Igualmente, a maior parte dos estados afetivos, como o amor e o ódio, surge acompanhada de pensamentos. Em vez de distinguir entre emoções e pensamentos, o budismo está mais voltado à compreensão de quais tipos de atividade mental levam ao bem-estar, o nosso próprio e o dos outros, e quais são nocivos, especialmente a longo prazo. Isto é, na verdade, muito coerente com aquilo que as ciências cognitivas nos mostram sobre o cérebro e a emoção. Não se pode propriamente falar de “centros emocionais” no cérebro. Cada região associada a algum tipo de emoção também está associada a um aspecto cognitivo. Os circuitos neuronais que veiculam as emoções estão intimamente ligados aos que veiculam a cognição. Esse arranjo anatômico é coerente com a visão budista, segundo a qual esses processos não podem ser separados: as emoções aparecem em um contexto de ações e pensamentos, quase nunca estão isoladas dos outros aspectos da experiência. Deve-se notar que isso contradiz a teoria freudiana, segundo a qual poderosas emoções, como a cólera e o ciúme, por exemplo, podem surgir sem a presença de qualquer conteúdo cognitivo e conceitual particular.
O IMPACTO DAS EMOÇÕES
Derivada do verbo latino emovere, que significa “mover”, a palavra emoção é atribuída a todo sentimento que faz a mente entrar em movimento, seja na direção de um pensamento nocivo, seja na de um neutro ou positivo. Para o budismo, a emoção é aquilo que condiciona a mente e faz com que ela adote uma determinada perspectiva, uma certa visão das coisas. Não se trata sempre de um acesso ou uma explosão emocional que, de maneira repentina, surge na mente – definição que estaria mais próxima daquilo que os cientistas estudam como emoção.
A forma mais simples de estabelecer distinções entre as nossas emoções consiste em examinar a sua motivação (a atitude mental e o objetivo escolhido) e os resultados. Se uma emoção fortalece a nossa paz interior e nos ajuda a buscar o bem dos outros, ela é positiva ou construtiva; se ela destrói a nossa serenidade, perturba profundamente a nossa mente e quer ferir os outros, é negativa ou perturbadora. Quanto ao resultado, ou às consequências, o único critério é o bem ou o sofrimento que engendramos por meio dos nossos atos, palavras e pensamentos, a nós mesmos e aos outros. É isso que diferencia, por exemplo, a “cólera santa” – a indignação causada por uma injustiça que testemunhamos – da fúria engendrada pelo desejo de ferir alguém. A primeira libertou povos da escravidão, da dominação e nos leva às passeatas para transformar o mundo; destina-se a fazer cessar a injustiça o mais rapidamente possível, ou conscientizar alguém dos erros que está cometendo. A segunda só gera sofrimentos.
Se a motivação, o objetivo visado e as consequências são positivas, pode-se utilizar meios apropriados, seja qual for a aparência que tenham. A mentira e o roubo geralmente são atos nocivos e, portanto, à primeira vista, repreensíveis; mas podemos também mentir para salvar a vida de uma pessoa perseguida por um assassino, ou furtar as reservas alimentares de um potentado egoísta para alimentar habitantes de uma vila que estejam morrendo de fome. Por outro lado, se a motivação é negativa e o objetivo nocivo ou egoísta, mesmo recorrendo a meios aparentemente respeitáveis os atos são negativos. Como disse o poeta tibetano Shabkar: “O homem compassivo é gentil mesmo quando está irado; o homem que não tem compaixão mata com um sorriso”.
O QUE DIZ A CIÊNCIA
Citando os cientistas cognitivos Paul Ekman e Richard Davidson:
A psicologia ocidental geralmente não avalia as emoções conforme o seu caráter benéfico ou nocivo. EM vez disso, há duas tradições para descrever a emoção: distinguir entre as diferentes emoções (ou seja, raiva, medo, aversão, prazer etc 2) e distinguir dimensões que pensamos ser subjacentes a elas (por exemplo, agradável-desagradável, aproximação-rejeição etc.). Curiosidade e amor são exemplos típicos de emoções de aproximação; medo e repugnância, de rejeição.
Os mesmos autores dizem também:
Mesmo aos poucos teóricos que categorizam as emoções como positivas ou negativas não afirmam que todas as emoções negativas são nocivas a nós mesmos e aos outros. Se por um lado a maior parte desses teóricos reconhece que as emoções podem, em algumas ocasiões, ser nocivas, não consideram que isso seja intrínseco a nenhuma emoção específica. O objetivo não é livrar-se de uma emoção ou transcende-la, nem mesmo o ódio, mas regular a experiência e a ação quando a emoção é vivenciada.
Psicólogos que estudam as emoções do ponto de vista da evolução das espécies consideram que elas se adaptaram conforme seu grau de utilidade para a nossa sobrevivência, em função da capacidade de nos ajudar nos eventos principais da vida: a reprodução, o cuidado com a prole, as relações com os competidores e com os predadores. O ciúme, por exemplo, pode ser considerado como a expressão de um instinto muito antigo que contribui para garantir a coesão de um casal, na medida em que a pessoa ciumenta buscará manter os rivais a distância, aumentando assim as chances de sobrevivência da prole. A cólera pode nos ajudar a superar rapidamente um obstáculo que entrava a realização dos nossos desejos ou nos agride. Ao mesmo tempo, nenhum desses teóricos afirmou que a raiva, ou qualquer outra emoção humana surgida ao longo da evolução, atingiu o fim do seu ciclo de transformação e não pode mais se adaptar ao nosso modo de viver atual. Mas todos eles concordam em considerar patológica a violência crônica e impulsiva e reconhecem que a hostilidade e a cólera são nocivas à saúde.6
Em um estudo, 255 alunos de escolas de medicina passaram por um teste de personalidade para medir o nível de hostilidade. Vinte e cinco anos mais tarde, descobriu-se que os mais agressivos deles tinham sofrido cinco vezes mais acidentes cardíacos do que aqueles que eram menos coléricos.
Os autores que abordam a questão de quando um episódio emocional pode ser considerado nocivo apoiam-se em dois elementos preponderantes 8. No primeiro caso, um episódio é considerado disfuncional ou perturbador quando o sujeito expressa uma emoção adequada, mas com uma intensidade desproporcional. Se uma criança faz alguma asneira, a raiva dos seus pais pode ter uma valor pedagógico; já a fúria ou o ódio são completamente desproporcionais. Similarmente, como escreve Andrew Solomon, “o luto é a depressão proporcional às circunstâncias, enquanto que a depressão, quando doentia, é um sofrimento desproporcional em relação à conjuntura ambiental”.
No segundo caso, o episódio emocional é nocivo quando o sujeito expressa uma emoção que é inapropriada a uma dada situação. Se uma criança pequena lhe mostra a língua, é melhor rir do que ficar entristecido ou com raiva. Como indicou Aristóteles, qualquer um pode enraivecer-se. Isso é fácil. “Mas ficar com raiva pelos motivos certos, contra a pessoa certa, da maneira certa, no momento certo e pelo tempo certo”, isso não é fácil.
Qualquer que seja o cenário, para esses psicólogos que estudam quando uma emoção pode ser considerada nociva, a meta, ao tratar com uma emoção, não é nem se livrar totalmente dela nem a transcender, mas lidar com a maneira como a vivenciamos e o modo como ela se traduz em ação. A hostilidade, por exemplo, deve ser controlada de modo a neutralizar com eficácia um indivíduo nocivo, sem que com esse controle se dê livre curso a uma violência desmedida e cruel, que nunca pode se justificada pelas circunstâncias.
O budismo, no entanto, vai além, dizendo que a hostilidade é sempre negativa, já que engendra e perpetua o ódio. É inteiramente possível agir de maneira firme e resoluta para neutralizar uma pessoa perigosa, sem sentir o menor traço de ódio por ela. Uma vez perguntaram ao Dalai Lama qual seria a melhor conduta a tomar se um malfeitor entrasse na sala e ameaçasse os ocupantes com um revólver. Ele respondeu com um tom em parte sério, em parte brincalhão: “Eu atiraria nas pernas dele para neutralizá-lo, depois iria até ele e lhe acariciaria a cabeça, oferecendo-lhe cuidados.” Ele sabe muito bem que na realidade nem sempre é assim tão simples, mas queria tornar claro que uma ação enérgica é o bastante, e que injetar mais hostilidade e ódio na situação não só é inútil, como nefasto.
Ekman e Davidson concluem: “Em vez de se concentrar em uma tomada de consciência maior do nosso estado interior, como faz o budismo, a psicologia ocidental colocou mais ênfase na reavaliação das situações exteriores ou no controle e na regulagem da expressão das emoções em nosso comportamento”. E a psicanálise tenta fazer com que o paciente tome consciência das tendências, dos eventos passados, das fixações e dos bloqueios que conduzem aos sofrimentos da neurose e o impedem de funcionar normalmente no mundo.
A posição do budismo é diferente: enfatiza a percepção do processo pelo qual se formam os pensamentos e a tomada imediata de consciência, o que permite a identificação de um pensamento de raiva assim que ele surge e a sua desconstrução logo a seguir, como um desenho feito sobre a superfície da água que se desfaz assim que é esboçado. Repetimos o mesmo processo com o pensamento seguinte, e assim por diante. De modo que trabalhamos com os nossos pensamentos um por um, analisando a maneira como surgem e se desenvolvem, e pouco a pouco aprendemos a libertá-los assim que aparecem, desarmando as reações em cadeia que fazem com que esses pensamentos invadam a mente. Esse método é centrado no momento presente e tem algumas similaridades com aqueles desenvolvidos no Ocidente nas terapias cognitivas de Aaron Beck e no processo de redução de estresse baseado na presença mental (midfulness-based stress reduction program), de Jon Kabat-Zinn. Assim, é importante, do ponto de vista da saúde mental, estar alerta à maneira como se formam os pensamentos, e aprender a ir além dos limites impostos por eles, em vez de tentar revelar e depois analisar o filme interminável da nossa história psíquica, como propõe principalmente a psicanálise.
O ponto mais importante a destacar é que nunca podemos realmente trazer eventos passados de volta à vida. Eles só sobrevivem devido ao impacto que têm em nossa experiência presente. O essencial é a natureza da nossa experiência viva, tenha ela uma qualidade boa ou aflitiva. Se nos tornarmos experts em liberar-nos de todos os estados aflitivos assim que eles tomam forma, o verdadeiro conteúdo dos eventos passados que pode tê-los provocado se tornará totalmente irrelevante. Mas ainda, quando vamos ficando capazes de nos liberar desse pensamentos aflitivos à medida que acontecem, ocorre uma erosão gradual na tendência que têm a se formar novamente, até que esses pensamentos cessam por completo.
Se, por um lado, as nossas emoções, estados de humor e tendências foram moldados pela acumulação de incontáveis pensamentos instantâneos, por outro, podem ser transformados ao longo do tempo, se lidarmos com eles de maneira consciente. “Cuide dos minutos, que as horas cuidarão de si mesmas”, disse certa vez lorde Chesterfield ao seu filho. Esse é o melhor caminho para a mudança gradual.
Até os anos 1980, poucos pesquisadores tinham se dedicado aos meios que permitem desenvolver os aspectos positivos do nosso temperamento. Em 1998, um grupo de psicólogos americanos reuniu-se sob o comando de Martin Seligman, então presidente da American Psychological Association, para fundar o Positive Psychology Center e coordenar as diversas áreas de pesquisa que o constituem. Tratava-se de uma tentativa de expandir o campo de estudo da psicologia para além daquela que foi, por muito tempo, a sua vocação principal: a de estudar e, se possível, remediar as disfunções emocionais e os estados mentais patológicos. Uma consulta ao repertório de livros e artigos de psicologia publicados desde 1887 (Phychological Abstracts) revelou 136.728 títulos mencionando a raiva, a ansiedade ou a depressão, contra somente 9.510 tendo como tema a alegria, a satisfação ou a felicidade”
Certamente é importante tratar dos problemas psicológicos que dificultam ou até paralisam a vida das pessoas, mas a felicidade não se resume à mera ausência da infelicidade. A psicologia positiva, representada por esta nova geração de pesquisadores, busca estudar e reforçar as emoções positivas que permitem que nós nos tornemos seres humanos melhores e tenhamos mais alegria na vida. Podemos, assim, progredir de um estado dito patológico até um estado chamado “normal”, e desse estágio passarmos para um quadro considerado ótimo.
Há várias razões que justificam uma abordagem assim. Em 1969, o psicólogo Norman Bradburn mostrou que os afetos agradáveis e desagradáveis não são somente opostos, mas derivam de mecanismos diferentes e, portanto, devem ser estudados separadamente. Contentar-se com a eliminação da tristeza, da depressão ou da ansiedade não garante automaticamente a felicidade e a alegria. A supressão de uma dor não conduz necessariamente ao prazer. Portanto, é preciso não só erradicar as emoções negativas como também desenvolver as positivas.
Podemos avançar, afirmando com o budismo que não basta abster-se de causar mal aos outros (eliminar a maldade); essa abstenção deve ser acrescida de um esforço determinado de fazer-lhes o bem ( desenvolver o altruísmo e colocá-lo em prática).
De acordo com Barbara Fredrickson, da Universidade de Michigan, uma das fundadoras da psicologia positiva: “As emoções positivas deixam a nossa mente mais aberta e ampliam o nosso repertório de pensamentos e ações: a alegria, o interesse, o contentamento e o amor. […] Os pensamentos positivos engendram, comportamentos flexíveis, acolhedores, criativos e receptivos”. Segundo os cientistas da psicologia positiva, o desenvolvimento dos pensamentos positivo oferece uma vantagem evolutiva indiscutível, na medida em que eles nos ajudam a expandir o nosso universo intelectual e afetivo e a nos abrir para novas ideias e experiências. Diferentemente da depressão, que muitas vezes nos faz entrar em parafuso, as emoções positivas criam uma espiral ascendente: “Elas constroem a resiliência, a força, e influenciam o modo de as pessoas lidarem com a adversidade”. 12
POR QUE FALAMOS EM “EMOÇÕES NEGATIVAS”?
Segundo o budismo, o termo “emoção negativa” não implica necessariamente que a emoção em questão esteja associada a um sentimento desagradável que faça com que nos afastemos ou o rejeitemos, como é o caso da repugnância. Ao contrário, ela pode estar ligada à atração, ao desejo ávido e obsessivo. Esse termo também não envolve a ideia de negação ou recusa. O adjetivo “negativo” significa menos felicidade, lucidez e liberdade interior. Ele qualifica toda emoção que é fonte de tormentos para nós e para os que estão ao nosso redor. Do mesmo modo, uma emoção ou fator mental “positivo” não supõe que vejamos a vida cor-de-rosa, mas contribui para sukha.
Essas noções nos remetem a um dogma ou a um código mortal editado por uma instância suprema, mas nos levam diretamente ao próprio coração dos mecanismos da felicidade e do sofrimento. Todos nós já passamos por esta experiência: quando damos livre curso ao ciúme, o resultado não se faz esperar – não temos mais um instante de paz e criamos um inferno para os outros. A nossa primeira reação não deve consistir apenas em abafar a emoção negativa, mas compreender as razões pelas quais ela não tem nenhum efeito positivo.
A simples compreensão mental mudará alguma coisa? No momento em que uma pessoa se dedica a refletir, geralmente sem estar sob o efeito de uma emoção forte, ela não tem como produzir efeitos positivos ou negativos sobre essa emoção. Contudo, isso permitirá que ela compreenda que deve ficar atenta quanto ao processo repetitivo dos sofrimentos engendrados pelas emoções negativas e terminará por compreender que se queima toda vez que põe a mão no fogo.
A palavra tibetana nyön-mong (klesha em sânscrito) designa um estado mental perturbado, atormentado e confuso, que nos “aflige a partir de dentro de nós”, do nosso interior. Observemos o ódio, o ciúme ou a obsessão no instante em que nascem: é indiscutível que eles nos causam um profundo mal-estar. De outro ponto de vista, as ações e as palavras que esses estados inspiram, na maioria das vezes, têm a intenção de fazer mal a alguém. Em contrapartida, os pensamentos de bondade, ternura e tolerância nos dão alegria e coragem, abrem a nossa mente e nos libertam interiormente. Eles ainda nos estimulam na direção da benevolência e da empatia.
Além disso, as emoções perturbadoras tendem a distorcer a nossa percepção da realidade e nos impedem de vê-la como realmente é. O apego idealiza o seu objeto, o ódio demoniza-o. Essas emoções nos levam a acreditar que a beleza e a feiúra são inerentes às pessoas e coisas, quando é a mente que decide se elas são “atraentes” ou “repulsivas”. Essa compreensão errônea abre uma brecha entre a aparência das coisas e a sua realidade, obscurece o nosso julgamento e nos leva a pensar e agir como se essas qualidades não dependessem da nossa maneira de vê-las. Já as emoções e estados mentais “positivos” (segundo a acepção budista) reforçam a nossa lucidez e a precisão do nosso raciocínio, na medida em que se baseiam em uma apreciação mais exata da realidade. Assim, o amor altruísta reflete a interdependência íntima que existe entre todos os seres, entre a nossa felicidade e a dos outros, e está em harmonia com a realidade, enquanto que o egocentrismo cava um fosso cada vez mais profundo entre nós e os outros.
O essencial, portanto, é identificar os tipos de atividade mental que conduzem ao “bem-estar”, ao sofrimento, mesmo que esses últimos nos concedam breves momentos de prazer. Esse exame requer uma avaliação sutil da natureza das emoções. Por exemplo, o deleite que experimentamos ao fazer uma observação inteligente mas maliciosa é considerado negativo. Já a nossa satisfação, ou até a tristeza, por não podermos aliviar o sofrimento que testemunhamos de maneira alguma atrapalha a busca de sukha, visto que tais emoções nos encorajam a cultivar com desapego a capacidade de ajudar e inspiram a determinação de colocá-la em prática. Qualquer que seja o caso, a análise mais segura é sempre obtida por meio da introspecção e da auto-observação.
A primeira etapa dessa análise consiste em identificar o modo como surgem as emoções. Isso requer o cultivo de uma atenção dirigida ao desenrolar das atividades mentais, acompanhada de uma tomada de consciência que permita distinguir entre as emoções destrutivas e aquelas que favorecem o desenvolvimento da felicidade. Essa análise, realizada muitas e muitas vezes, é a preliminar indispensável para a transformação de estado mental perturbado. Para conseguir essa transformação, o budismo prescreve um rigoroso e prolongado treino de introspeção, processo que implica a estabilização da atenção e o aumento da lucidez. Essa disciplina tem afinidade com o conceito de “atenção voluntária e sustentada”, de William James, o fundador da psicologia moderna. 13 Mas enquanto James duvidava da possibilidade de desenvolver e manter essa atenção voluntária por mais do que alguns segundos, os meditadores budistas descobriram que é possível desenvolvê-la consideravelmente. Uma vez que, pela prática, tenhamos acalmado os nossos pensamentos, clarificado e concentrado a nossa mente, estamos aptos para examinar a natureza das nossas emoções e outros estados mentais de maneira muito eficaz.
A curto prazo, certos processos mentais com a avidez, a hostilidade e a inveja podem concorrer para nos ajudar na obtenção daquilo que julgamos ser desejável ou atraente. Falamos das vantagens da raiva e do ciúme para a preservação da espécie humana. A longo prazo, porém, eles são nocivos tanto para o nosso desenvolvimento quanto para o das outras pessoas. Cada episódio de agressividade e ciúme representa um recuo em nossa busca da serenidade e da felicidade.
O único objetivo do budismo ao tratar das emoções é nos liberar das causas fundamentais do sofrimento. Parte-se do princípio de que certos eventos mentais são perturbadores, não importando a intensidade ou o contexto em que surjam. Esse é o caso dos três processos mentais considerados como os “venenos” mentais básicos: o desejo, no sentido de “sede”, ânsia, avidez que atormenta; o ódio, desejo de ferir, de fazer sofrer; e a ilusão, que deforma a nossa percepção da realidade. O budismo geralmente acrescenta a esses três estados mentais o orgulho e a inveja; juntos eles constituem os cinco venenos maiores, aos quais se associam de sessenta estados mentais negativos. Os textos sagrados se referem também a “oitenta e quatro mil emoções negativas”. Elas não são especificadas em detalhe, mas esse número simbólico dá uma ideia da complexidade da mente humana e nos convida a compreender que os métodos para transformar a mente devem se adaptar à enorme variedade de disposições mentais. É por essa razão que o budismo fala das “oitenta e quatro mil portas” que levam ao caminho da transformação interior.
EXERCÍCIO Acalmar a mente e olhar para dentro
Sente-se em uma posição confortável. O seu corpo deve permanecer em uma postura ereta, mas não tensa, mantenha os olhos semicerrados. Respire durante cinco minutos, prestando atenção no entrar e sair do ar que acontece por meio da sua respiração. Sinta que os pensamentos caóticos aos poucos vão se aquietando. Quando os pensamentos surgem, não tente nem bloqueá-los nem fazer com que se multipliquem. Simplesmente continue a observar a sua respiração.
Em seguida, em vez de prestar atenção àquilo que vê ou escuta no mundo externo, volte a sua “visão” para dentro e “olhe” para a mente em si. “Olhar”, aqui, significa observar a sua própria consciência ou atenção, não o conteúdo dos seus pensamentos. Deixe a mente suavemente chegar ao repouso, como um viajante cansado que encontra um prado verdejante e aprazível onde pode sentar-se um pouco.
Então, com um profundo sentimento de apreço, pense no valor da existência humana e no seu potencial extraordinário, pronto para desabrochar. Perceba, também, que esta vida precisa não durará para sempre e que é essencial fazer dela o melhor possível. Examine sinceramente aquilo que é mais importante, para você, na vida. O que você precisa atingir, ou o que deve descartar, para conseguir o bem-estar autêntico e viver uma existência plena de significado? Quando os fatores que contribuem para a felicidade verdadeira estiverem claros para você, imagine que eles desabrocham, florescendo na sua mente. Decida-se a alimentá-los dia após dia.
Finalize a sua meditação fazendo com que pensamentos de bondade pura envolvam todos os seres vivos.
Estre trecho foi retirado do livro ”Felicidade – A pratica do Bem Estar”.
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